COMENTÁRIO AO TEXTO DO LIVRO "AS
LEIS" DE MARCO TÚLIO CÍCERO
Quinto:
- Penso como tu, meu irmão, que o justo e verdadeiro é
também
eterno e que não nasce nem morre com a letra e as decisões legais.
Marco:
- Logo, assim como a mente divina é a lei quando atinge no homem
seu
mais completo desenvolvimento; mas este desenvolvimento só se
encontra
na mente do sábio. (Cícero, das Leis, I – II
, pp 64-65)
Em
que consiste a lei?
Cada
um fazer o que lhe cabe.[1]
Princípio
estabelecido por Platão em A
República que
traz um caráter intrínseco de justiça que de certa forma coloca
cada individuo como artífice da lei. Cícero, como estudioso do
mestre de Atenas irá segui-lo nesta trajetória para estabelecer os
fundamentos do Direito.
Dará
às Leis status de
divinas, ao menos as leis soberanas, as verdadeiras as
que não se alteram com o tempo, pois são eternas; não se alteram
com as tradições ou vontades humanas, pois são vindas da suprema
natureza que ordena o que se deve fazer e proíbe o contrário[2],
são vindas do próprio deus; são as Leis
que pertence a todos os séculos e já era vigente quando não havia
lei escrita nem Estado constituído.
Inspirado
na mente divina, nesta Razão, o homem, entenda-se aqui o sábio, tem
de desenvolver e transformar em leis para a sociedade estes
princípios naturais, onde fará prevalecer as boas ações e vetar
as más, enfim: dar
a cada um o que é seu[3].
Quanto a esta Natureza Divina, Cícero afirmará em Dos Deveres que
esta ...
... colocou em todo o ser vivo a aptidão inata de conservação,
para defender seu
corpo e sua vida, para evitar o que danifica, para procurar todo o
necessário com
que
viver, o alimento, o abrigo e outras coisas dessa espécie[4].
Vindo
de sua origem estas necessidades, a de conservar através das
aptidões inatas segue o homem pelos caminhos que lhe cabe, ou pensa
que lhe cabe, esquecendo seu princípio mais fundamental: a alma,
fonte do que há de mais divino seja na terra ou no céu; a razão,
que está tanto no homem, quanto em Deus, vínculo primeiro entre
criador e criatura.
Para
se definir o que é Direito, Cícero, irá buscar a lei suprema que
foi inspirada pelo deus; enfim, é
a Apolo, deus de Delfos, que compete estabelecer as leis mais
importantes, as mais belas e as primeiras entre todas[5].
E das leis primeiras do deus está o conhecer-se a si mesmo, que é
de fato conhecer todos os dons e dádivas dadas a nós pelos deuses
ao nascermos, além de nos dar a oportunidade de alcançarmos a
sabedoria. E vem da sabedoria o caminho para a Razão que
será lei quando atingir no homem seu mais completo desenvolvimento,
assim como a lei suprema é da mente divina[6].
Para
Cícero, é a razão o que conduz à sabedoria, esta quando
desenvolvida e aperfeiçoada
E
esta razão deve ser justa por ser em comum, só assim há
sentido. Daí
resulta que também há lei. Logo, lei também é outro vínculo
entre homens e deus, por conseguinte do direito[7].
De
fato será o Direito verdadeiro o que pode ser colocado ante o homem
em que qualquer tempo, pois estará ligado a deus pelo vínculo da
lei que vem da razão justa. É esta razão que diz que o estupro
sempre será ato que atenta contra a justiça suprema, mesmo que a
lei civil seja tolerante em certa época ou circunstância. Um ato
criminoso irá separar o homem do homem e não o deixará
dialogar e viver em comum[8].
DA
NATUREZA DAS LEIS HUMANAS
... mas, tamanha é a corrupção proveniente dos maus costumes,
que
destrói o que poderíamos chamar de lampejos que nos foram dados
pela
Natureza, fomentando e reforçando os vícios contrários[9].
Longe
de ser virtuosas, as leis que não se inspiram na alma, na razão
vinculado ao deus, serão leis de seu próprio tempo, adequadas aos
espíritos de uma certa época, mas que serão revogadas por
interesses outros, ou até por uma lei que venha da razão justa. Ou
atos que não sejam em dado momento questionado se são bons ou não,
podem ser visto com olhos de retidão e considerados
contra a sociedade; atos que coloquem o homem contra o homem, mas que
a lei civil não condena, como exemplo, o duelo.
Esta
corrupção proveniente de maus costumes destrói o que poderíamos
chamar de lampejos que nos foram dados pela Natureza, fomentando e
reforçando os vícios[10].
De certo modo, pessoas assim são muito engraçadas... Como
mencionávamos há pouco, elas estão sempre fazendo
leis e emendando-as, sempre pensando que descobrirão como
impor um limite às fraudes nos contratos e, a respeito
do que eu
estava falando agora, ignorando que, na realidade, estão
como
que tentando cortar a cabeça da Hidra[11].
Oras!
É o que se faz quando se quer ignorar as leis dos deuses: criar
leis, revogar, emendar, revogar. Sempre haverá uma cabeça para ser
cortada, mas sempre haverá outra a crescer. Cícero quer fazer ver
que estas leis de certa forma devoram-se a si mesma quando destroem
os lampejos dados pela Natureza
Embora
a natureza tenha dotado o homem com aptidão
inata de conservação,
acima de tudo o dotou com alma, com a razão que o coloca acima de
todos os outros seres, e, portanto, tem de prevalecer a justiça
suprema acima da humana.
COMENTÁRIO
FINAL
Filho da Natureza suprema, do Deus universal o homem recebeu o
dom divino da alma (tem sua força em Deus), mas os demais
atributos, que
pertencem
à categoria das coisas mortais, são frágeis e efêmeros[12].
Vivendo
a ambiguidade de Ser imortal, como alma, e mortal em sua matéria o
homem tem de buscar a razão em meio a sua subsistência. Nesta busca
encontra somente
na
lei que é a razão suprema da Natureza, que ordena
o
que se deve fazer e proíbe o contrário[13].
Ainda,
diz Cícero, que todos os povos sentem-se obrigados a crer em deus,
mesmo que ignore este ente[14].
É nesta crença inata em um ser superior, por parte do homem em que
o autor se baseia para formular sua filosofia, além, óbvio, de sua
percepção em uma ordem superior, que conduz a alma humana a busca
do bem. Daí segue em busca das Leis que conduzirão a sociedade.
É
nesta lei, fundamentada na razão divina que embasa sua teoria sobre
o Direito justo, enfim
temos
então um parentesco com os seres celestiais[15].
É
neste entendimento que fundamenta sua busca pela justiça: somos
vinculados com o deus pela justa razão e pela lei e também por de
certa forma termos intrínseco em nós a sociabilidade, que não
podemos nem alegar que seja uma virtude[16].
Assim
existe só um direito, aquele que constitui o vínculo
da
Sociedade humana e que nasce de uma só Lei; e esta Lei
é
acertada em tudo que ordena e proíbe. Quem a ignora
é
injusto, esteja ela escrita ou não em alguma parte[17].
A
mais verdadeira Lei, a da Natureza, a que vem do deus
de Delfos. Esta é perene: o agressor de ontem não alcançado pela
lei civil é criminoso pela Lei da Razão. Se não se pode puni-lo
hoje, mas se já se reconhece como tal um ato como natureza
criminosa, institui-se uma nova lei e torna este ato proibido por ser
uma ação má e, portanto, passível de punição e de desonra. Mas,
que esta lei seja embasada na razão e não mais uma cabeça de
Hidra.
E
não se pode desconsiderar que
Nascemos
para a justiça e o que o direito não se baseia
em
convenções, mas sim na Natureza[18].
Bibliografia
Cícero,
M. Túlio, Das Leis – Trad. Otávio T. de Brito – Clássico
Cultrix
Cícero,
M. Túlio, Dos Deveres – Trad. Alex
Marins – Martin Claret
Cícero,
M. Túlio, Da República – Trad.Amador Cisneiros – Edipro
Platão,
A República – Trad. Anna Lia Amaral de Almeida Prado – Martins
Fontes
[2] Cícero,
das Leis, I – I , p 40
[4]Cícero,
dos Deveres, I – VI
[5] A
República (427 b) - Platão
[6]Cícero,
das Leis, I – II , p 65
[7] Cícero,
das Leis, I – I , p 41
[8] Cícero,
dos Deveres, I – IV
[9] Cícero,
das Leis, I – I , p 46
[10] Cícero,
das Leis, I – I , p 40
[11] Platão,
A República (426 e)
[12] Cícero,
das Leis, I – I , p 43
[13] Cícero,
das Leis, I – I , p 40
[14] Cícero,
das Leis, I – I , p 43
[16] Cícero,
da República, I – XXVI)
[17] D
Cícero, das Leis, I – I , p 48
[18] Cícero,
das Leis, I – I , p 44)
(AEM, 2010)