segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CONTO ATÉ DEZ

       Que dia lindo! Mais um daqueles em que o sol vai fazer fritar ovo no asfalto. 
Abri o portão para tirar o carro para mais um dia de luta no RH; não me contive: olhei para o céu azul, não havia uma única nuvem. Respirei fundo a brisa morna da manhã.
Quando ia pegar o carro passou por mim um vizinho. Falei bom dia; e falei transbordado toda a minha felicidade inspirada pelo dia radiante.
A resposta foi o silêncio e a cara fechada. Parecia que uma nuvem pairava sobre a cabeça daquele homem; acho que a nuvem passou para minha cabeça também. Até no céu apareceu uma nuvem.
Peguei o carro e me fui.
Esqueci, havia perdido parte do encanto, mas esqueci; ao menos tentei esquecer.
Segui meu itinerário normal, o qual nunca tinha problemas, nunca havia congestionamento. Mas, um acidente no começo da manhã complicou tudo. Normalmente levo dez minutos para chegar ao estacionamento onde deixo o carro. Naquele dia foi quase quarenta minutos de anda, pára, anda, pára. Como não sou dado a atrasos não teria problemas para me justificar, até porque, não era o único preso no congestionamento, porém, acho que era o único que vira a beleza do dia, pois as buzinas e os roncos dos motores, as pragas e os gritos eram generalizados. Creio que havia uma nuvem para cada carro, para cada pessoa.
Naquele tumulto, ganhei mais uma “nuvenzinha”. Olhei novamente para o alto e as nuvens já se avolumavam. Pensei: o tempo está mudando rápido.
Apesar de tudo cheguei ao trabalho são e salvo.
Mal entrei na sala, dei de cara com um diretor, procurando por um antiácido; uma nuvem enorme o encobria. Aos berros dirigiu-se a mim: Isto são horas? Parece que todo mundo resolveu chegar atrasado!
-        O trânsito está muito ruim hoje – tentei argumentar. Em vão.
A mim e aos outros que iam chegando, o homem tentava descarregar seu ácido, que, creio fervia mais ainda dentro dele.
Fui ao banheiro e olhei-me no espelho. Pareceu-me ter visto uma nuvem enorme a pairar sobre mim.
Tentei esquecer tudo isto. Fui até a janela e olhei para o tempo: como havia mudado!
-        Vou me enfiar no trabalho! – Pensei convicto.
Sentei-me ante uma pilha enorme de papéis e queria mesmo me envolver em cada letra, em cada vírgula daquela burocracia. Mas, um colega me liga e diz que quer falar comigo. Enfático diz: tem que ser agora.
Fui até ele. Sentei-me na cadeira que me indicou simpático e pus-me a ouvir.
- O diretor tá levando chifre! E advinha de quem? – Cochichou sarcástico.
Não, eu não sabia. Fiz cara de curioso para não desaponta-lo. Arrependo-me desta minha encenação.
- Do serviçal! Cara! Dá pra acreditar? – E riu irônico.
Não, não dava para acreditar. O tempo havia me surpreendeu de vez, com a chegada da recepcionista, também atrasada.
- Olha pessoal, além de atrasada, toda molhada! – Disse a moça indignada.
É verdade! Havia começado a chover. E pesado.
Nunca me senti tão impotente. Minha cabeça começava a doer; assim como o diretor traído, também precisava de um antiácido.
Voltei ao espelho e notei como eu estava diferente; cenho carregado; olhos fundos; sentia-me em febres.
Deixei o escritório sob a chuva que parecia querer lavar todas as almas e voltei para casa, pois não suportava mais. Queria começar o dia novamente; o que não era possível. Mas teria todos os outros dias para começar e principalmente terminar melhor. E daquele dia em diante nunca mais me deixaria levar pelas tempestades alheias.

(AEM - 2006)

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