Pois bem, em meu trabalho arrisco a vida e
nele minha razão arruinou-se em parte... (Vincent
Van Gogh - Cartas a Théo)
Na
última carta ao irmão Théo, Vincent suspira suas últimas perturbações e dores
que estão próximas de cessarem; dores de uma alma rebelde e genial, por isto
aguda, incompreendida e relegada à solidão. Sua história de vida lega à
posteridade o preço que se paga pela obstinação, pela fé em si mesmo quando se
quer trilhar caminhos novos. Talvez sua vida não foi mais que simples
desequilíbrio: que seja, mas ainda assim obstinada. Os impressionistas já
haviam pago suas cotas. Vincent, assim como Cézanne, também teria de pagar; e pagou. Pagou muito mais caro, pois
foi além; foi aos limites da alma. Foi onde caminham os gênios e heróis; ou os
loucos e “perdidos”.
Na
vida, e na arte em particular, embora sempre estivessem presentes talento,
técnicas bem desenvolvidas e conhecimentos, os grandes nomes, as grandes
referências, os que permaneceram se fizeram tal por um estado de profundidade
de espírito em um misto de loucura e liberdade, vinho e absinto.
Foi
assim e creio que sempre será.
Edvard
Munch também atesta isto quando fica a tremer de ansiedade e sente
o grito infinito da Natureza e traduz suas percepções em uma obra
icônica. Sempre as mais profundas sensações.
Séculos
antes dos modernos Caravaggio diz: não devem apenas olhar para as meus quadros, não só
devem contemplar, devem sentí-lo. Ao que parece, o gênio italiano conhecia bem sobre
as potencialidades inerentes à alma e seus diálogos. E em sua vida conturbada
leva sua prática artística a extremos e usa mendigos, prostitutas e, segundo
alguns, usa cadáver como modelos o que chocou o seu tempo, mas não era esta sua
intenção; seu intuito era levar realismo às composições. Oras! Como melhor
representar uma personagem morta do que usando como modelo uma mulher morta,
mesmo que a figura representada seja a Virgem Maria? Mais que simples efeito
cênico fica uma aura que envolve artista e quem admira a obra. Uma escancarada
honestidade do artista não passa incólume para o espectador e menos ainda aos
detratores, os tais representantes dos bons costumes e moral.
Mas, que se pesem loucuras ou
“sanidades” e plenas liberdades ou rebeldias contra os dogmas vigentes sempre
há algo que surge do mais profundo do Ser de um artista, de um criador, que
busca os limites em si mesmo, que busca por novos mundos, sejam de utopias e
sonhos, ou realidades e contestações e me faz crer que a arte não é senão uma
das mais nobres manifestações da alma e dá como reflexo a cada um de acordo com
a suas potencialidades; dá a potencialidade para se construir grandes
Histórias, que, se caminharem para dores e angústias, talvez se esteja no
caminho dos vencedores.
(AEM, 2016 - publicado no Livro Das Mãos, a Obra)