Hoje surpreendi um estranho diálogo entre meu salário e o
mês de Setembro.
Poeticamente Setembro disse:
- Salário este mês dar-te-ei a oportunidade de transformar-te
em flores.
Seguir os perfumes nas ruas, praças;
No entorno do Lago;
Verás minhas cores, meus odores, minha doçura;
Comemorarás as árvores em seu dia,
Que trago em mim, quando a Primavera chegar.
Ignorante meu Salário perguntou:
- Que dia é este em que a Primavera chegará, pois jamais vi
este mítico dia.
- Oras, Sr Salário, este ano trarei ao hemisfério sul a
primavera no dia 23, mas todos os anos comemoraremos as árvores no dia 21.
Todos sabem disto.
Triste, Salário vaticinou:
- Não viverei para ver este dia Sr. Setembro; muito antes
terei perecido.
Jamais vi o Sr. trazendo as flores e esta tal doçura.
Consternado Setembro baixou triste a cabeça e murmurou:
- Sinto muito.
Revoltado o Salário calou por um instante para bradar
- HIPÓCRITA!
Diante do pobre mês que de fato estava ressentido o irritado
Salário continuou
- Sabes que é muito maior que eu e me vem com poesias,
flores e ... – calou por um instante para prosseguir sussurrando - ...
doçura...
És de fato um grande hipócrita, Sr Setembro. Não apenas o
Senhor, mas todos os meses do ano.
Envergonhado o mês presente, apenas conseguiu balbuciar:
- Realmente sinto muito, Sr. Salário, mas desde que nos
inventaram tivemos este espaço de tempo para cumprir. Juro Sr. Salário, se
pudesse ficaria menor para poder ajuda-lo, principalmente porque todos tem o
direito de caminhar pelo entorno do Lago sentindo meus efeitos. Mas,
infelizmente nada posso fazer.
Profundamente humilde o mês olhou fundo nos olhos semimortos
do Salário e suplicou:
- Perdoai-me...
Neste instante mágico do diálogo, pude notar uma única
lágrima correr pelos olhos econômicos do humilhado e pragmático Salário. Então,
virou-se e me viu. Voltando-se novamente para Setembro e sem conseguir encarar
o gigante, de olhos baixos, quase sem forças murmurou:
- Eu é que devo suplicar perdão, Sr Setembro.
- Não! Não se culpe Sr. Salário. Entendo sua tragédia. –
Falou Setembro, tentando consolar o amigo.
Refeito de sua queda o Salário mostrou-se um pouco
espiritualizado
- Sr. Setembro não verei a Primavera que trarás em teus
braços e entregará ao mundo, pois irei perecer muito antes, mas renascerei em
Outubro – a partir deste momento o Salário elevou-se e prosseguiu, até com um
quê de euforia – e caminharei pelo Lago, ruas alamedas, verei flores, belos
beija-flores sobrevoando as árvores plenas de cores. Irei perecer novamente em meios as flores para novamente
ganhar vida em Novembro. A mesma sina irá me seguir neste mês também, mas enfim
...
Depois vi o antes melancólico transfigurar-se em irônico
- Não! Jamais vi o nascer da Primavera, mas sempre estive lá
para vê-la sucumbir ante o Verão, pois em Dezembro sinto-me revigorar em dois e
então sou maior que o mês, embora isto aconteça somente algumas vezes. Verei
tua cria sucumbir e ela não renascerá no mês seguinte. Eu serei, de fato, o
grande vencedor do ano.
Salário, antes de voltar-se para mim novamente, apenas disse
adeus a um Setembro que parecia nada entender. O próprio Salário sabia que suas
últimas palavras não eram tradução de nenhuma realidade fosse poética, teórica
e tampouco para uma realidade materialista, aquela em que vive.
O revoltado, que antes se sentia pequeno diante do gigante,
engrandeceu-se em razão e gritou de olhos fixos nos meus:
- A culpa é única e exclusiva sua! Por que, ao invés de ficar aqui ouvindo esta conversa, você não
deixa de comodismo e vai estudar para o concurso? Seu grandessíssimo vagabundo!
Depois de refletir sobre este tétrico diálogo e diante de
tão verdadeiro (e cruel) argumento jogado a mim pelo Ninho (como me refiro a
ele na intimidade) me virei e pus-me em busca de meu material de estudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário