segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CONTO ATÉ DEZ

       Que dia lindo! Mais um daqueles em que o sol vai fazer fritar ovo no asfalto. 
Abri o portão para tirar o carro para mais um dia de luta no RH; não me contive: olhei para o céu azul, não havia uma única nuvem. Respirei fundo a brisa morna da manhã.
Quando ia pegar o carro passou por mim um vizinho. Falei bom dia; e falei transbordado toda a minha felicidade inspirada pelo dia radiante.
A resposta foi o silêncio e a cara fechada. Parecia que uma nuvem pairava sobre a cabeça daquele homem; acho que a nuvem passou para minha cabeça também. Até no céu apareceu uma nuvem.
Peguei o carro e me fui.
Esqueci, havia perdido parte do encanto, mas esqueci; ao menos tentei esquecer.
Segui meu itinerário normal, o qual nunca tinha problemas, nunca havia congestionamento. Mas, um acidente no começo da manhã complicou tudo. Normalmente levo dez minutos para chegar ao estacionamento onde deixo o carro. Naquele dia foi quase quarenta minutos de anda, pára, anda, pára. Como não sou dado a atrasos não teria problemas para me justificar, até porque, não era o único preso no congestionamento, porém, acho que era o único que vira a beleza do dia, pois as buzinas e os roncos dos motores, as pragas e os gritos eram generalizados. Creio que havia uma nuvem para cada carro, para cada pessoa.
Naquele tumulto, ganhei mais uma “nuvenzinha”. Olhei novamente para o alto e as nuvens já se avolumavam. Pensei: o tempo está mudando rápido.
Apesar de tudo cheguei ao trabalho são e salvo.
Mal entrei na sala, dei de cara com um diretor, procurando por um antiácido; uma nuvem enorme o encobria. Aos berros dirigiu-se a mim: Isto são horas? Parece que todo mundo resolveu chegar atrasado!
-        O trânsito está muito ruim hoje – tentei argumentar. Em vão.
A mim e aos outros que iam chegando, o homem tentava descarregar seu ácido, que, creio fervia mais ainda dentro dele.
Fui ao banheiro e olhei-me no espelho. Pareceu-me ter visto uma nuvem enorme a pairar sobre mim.
Tentei esquecer tudo isto. Fui até a janela e olhei para o tempo: como havia mudado!
-        Vou me enfiar no trabalho! – Pensei convicto.
Sentei-me ante uma pilha enorme de papéis e queria mesmo me envolver em cada letra, em cada vírgula daquela burocracia. Mas, um colega me liga e diz que quer falar comigo. Enfático diz: tem que ser agora.
Fui até ele. Sentei-me na cadeira que me indicou simpático e pus-me a ouvir.
- O diretor tá levando chifre! E advinha de quem? – Cochichou sarcástico.
Não, eu não sabia. Fiz cara de curioso para não desaponta-lo. Arrependo-me desta minha encenação.
- Do serviçal! Cara! Dá pra acreditar? – E riu irônico.
Não, não dava para acreditar. O tempo havia me surpreendeu de vez, com a chegada da recepcionista, também atrasada.
- Olha pessoal, além de atrasada, toda molhada! – Disse a moça indignada.
É verdade! Havia começado a chover. E pesado.
Nunca me senti tão impotente. Minha cabeça começava a doer; assim como o diretor traído, também precisava de um antiácido.
Voltei ao espelho e notei como eu estava diferente; cenho carregado; olhos fundos; sentia-me em febres.
Deixei o escritório sob a chuva que parecia querer lavar todas as almas e voltei para casa, pois não suportava mais. Queria começar o dia novamente; o que não era possível. Mas teria todos os outros dias para começar e principalmente terminar melhor. E daquele dia em diante nunca mais me deixaria levar pelas tempestades alheias.

(AEM - 2006)

domingo, 2 de novembro de 2014

Por vezes quero (ou gosto) tanto de algo (ou de alguém) que tenho de disfarçar para que outros não percebam o que sinto.
Posso, entretanto, disfarçar para outros (às vezes), mas não há como me esconder de mim mesmo. Tento me esconder de meus sentimentos: desejos, vontades, medos; tento, tento, tento...
Olhares, sorrisos, gestos simples, palavras despretensiosas, ...; tudo é captado, da mesma maneira que é dissimulado. Mas, não há como dissimular de mim mesmo.
Apenas tento, tento e tento.

AEM - 2014))

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Verdadeiros valores

Um Ser Humano não vale mais que outro Ser Humano,
Mas...
Um espírito de união vale mais que um espírito de segregação;
Um espírito em paz vale mais que um espírito confundido;
Um espírito de amor vale mais que um espírito de terror.

Um Ser Humano não é melhor que outro Ser Humano,
Mas...
Uma alma tranquila é melhor que uma alma perturbada;
Uma alma leve é melhor que uma alma pesada;
Uma alma em fé é melhor que uma alma macerada.
(AEM, 2014)

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Absinto

Não perdi o medo
Perdi o sono
Desejando um canto de degredo
No infinito
Onde possa deixar os fantasmas

Como queria soltar um grito
Perdido, em algum labirinto
E esquecer os miasmas
Mesmo que seja em um copo de absinto

E me desarmar deste pensar enfadonho
Perder os medos que tanto sinto
E, talvez, reencontrar os sonhos

(AEM, 2015)

sábado, 31 de maio de 2014

A espera


O Brasil já foi um país de analfabetos. E isto não foi nos tempos de Anísio Teixeira que, diga-se, tentou com atitudes e trabalho mudar este estado de coisas; fomos retirados desta condição há pouco tempo. Com as políticas governamentais, que para todos os setores tem sempre a mesma solução que é construir, ergueram-se escolas municipais, estaduais e federais; e as coisas continuam, pois as políticas não mudaram e, de certo ponto, teve-se um resultado, pois o Brasil subiu um posto e hoje somos um país de semi-analfabetos.

Construir prédios não é educação de fato, é tão somente “cata” de votos e de dinheiro para empreiteiros; mas não dá para negar que isto é um fundamento.
Senti na pele, o quanto este estado de coisas na educação, começa a pesar sobre o país ao ver um professor de alto nível dizer que está a caminho de desistir do ensino, e pior que isto, ouvi-o dar um conselho que parece insólito se consideramos que o Brasil está em franco crescimento econômico (ao menos é o que dizem); disse o Dr. algo mais ou menos assim: quem tem menos de trinta anos, ainda tem uma chance, pois ainda pode ir embora do país.

Para completar disse que havia desistido e que estava com medo; disse que quem quiser assistir as aulas dele, pode assistir, mas não dará prova, trabalho e nenhum tipo de avaliação. Ao final do semestre dará a nós, as notas que quisermos. É necessário apenas ir um dia no final do semestre para assinar a frequência.
De fato não conheço os motivos quer levaram este professor a tomar tal atitude, mas não duvido que ele deva ter suas razões. As aulas continuam para quem quiser. Neste dia ele deu a aula com a mesma competência de sempre, mas esta é válida apenas como aprendizado. Mas, será que não é este a verdadeira razão da Educação; da formação em qualquer grau, curso, vida, etc?
Ensinar e aprender; transferência de conhecimento, experiência e tudo o mais: Eis o que de fato a Sociedade deseja; necessita, e com urgência.

Precisamos de prédios; mas, mais que isto, precisamos de educação verdadeira.
Porém, educação não dá votos e nem dinheiro para empreiteiros.
Creio sempre na evolução, tenho de crer nisto, pois não dá para viver em mundo sem expectativas de que tudo será diferente um dia; tenho de crer que um dia viveremos em mundo sem corruptos e hipócritas. Por crer na evolução vejo o degrau acima na educação brasileira, de analfabetos para semi-analfabetos, como um estado de evolução, e nem é ironia de minha parte; enfim, para alguma coisa servem os prédios.

O que sobra de tudo isto é que um degrau sempre leva a outro, portanto, creio que agora estamos prontos para o momento da construção da Educação.
Se não for desta forma, as escolas, que sempre tiveram evasão de alunos, terão evasão de professores. Mas, não é isto que está acontecendo?

(AEM, 2012)

terça-feira, 29 de abril de 2014

Somos todos espíritos eternos

Atira-se uma banana
E a ironia diz: sou macaco mesmo
A ironia come uma banana
E a hipocrisia diz: somos todos idiotas

Não somos macacos
(Idiotas, talvez)
Apesar de o oportunismo barato afirmar isto

Somos, de fato, espíritos eternos
Mas isto somente ouvimos no silêncio
Onde não há gritos da hipocrisia oportunista

(AEM, abril de 2014)

domingo, 20 de abril de 2014

O LIVRO DOS ESPÍRITOS E O ESPIRITISMO

Lançado em 18 de abril de 1857 O Livro dos Espíritos abriu um novo caminho na história da religiosidade e no sentido de fé e foi concebido pelo educador e escritor francês Léon Hippolyte Denizard Rivail, que adotou o pseudônimo de Allan Kardec, a partir de suas pesquisas sobre os fenômenos “sobrenaturais” que se tornaram comuns à época.

A obra se tornou a base da doutrina espírita e foi dividida pelo autor em quatro livro, estes que dariam origem às outras obras fundamentais do espiritismo. O livro primeiro de O Livro dos Espíritos, Das Causas Primárias, daria origem A Gênese; do segundo livro, Do Mundo dos Espíritos surgiria O Livro dos Médius; do terceiro, Das Leis Morais, viria o Evangelho Segundo o Espiritismo; e o quarto, Das Esperanças e Consolações inspiraria O Céu e o Inferno.
O Livro dos Espíritos tem o formato de perguntas e respostas e ao todo são 1019 questões elaboradas aos espíritos e mentores onde se aborda todos os temas que tocam o Ser e o universo; que tocam coisas dos espíritos e da matéria; vida e “morte”. Sempre conduzida por Allan Kardec com um caráter investigativo e perscrutador de forma a não escapar nada, que por vezes repete questões, tanto que não é incomum ler nas respostas a frase: já o dissemos.

Pelo caráter do mais puro do metafísico, não poderia ser diferente as formas ácidas como vieram as críticas às obras vinda de suas duas vertentes antagônicas: a cética e a religiosa clássica, embasada na época pelo catolicismo; atualmente vem das doutrinas evangélicas protestantes as críticas mais aguçadas. Porém saindo dos sentidos de crenças e descrenças nunca a filosofia espírita foi tocada e desmentida, sejam por céticos ou crentes. Jamais houve um tratado científico, filosófico, teológico ou ético que viesse de fato por dúvidas sobre as bases doutrinárias e seus principais divulgadores e trabalhadores com fundamentos de forma a desmenti-la, ou descaracterizá-la, isto já passados mais de cento e cinquenta anos. Tudo que se teve até hoje foram teorias vagas e desprovida de sentido, baseadas apenas em opiniões.

Vários ramos das ciências pesquisaram a doutrina de forma a tentarem destruí-la, mas o que de fato aconteceu, até os dias de hoje, foi o surgimento de várias doutrinas cientificas alinhadas ao espiritismo, comprovando que este realmente possui um caráter cientifico, e não poderia ser diferente, uma vez que Allan Kardec assim já postulou ao lançar as primeiras bases da doutrina.
Diga-se que Allan Kardec não temia pela Verdade, seja ela qual for, pois mesmo quando trabalhava suas pesquisas lançou a afirmativa de que se algo fosse comprovado como não verdadeiro que se esquecesse todo a doutrina, pois para ele era melhor deixar todas as verdades se necessário, mas jamais admitir uma mentira. Desta forma de conduzir seus estudos ele jamais divulgou como doutrinário algo que contivesse dúvidas.

O espiritismo codificado por Allan Kardec é sempre confundido com outras crenças espiritualistas. Como fator de curiosidade vale lembrar que as expressões espírita, espiritista e espiritismo foram criadas por Allan Kardec para se diferenciar do termo genérico espiritualismo. As expressões criadas por Kardec são referentes ao seu trabalho, enquanto a expressão espiritualismo e suas variantes são termos para designar um sentido contrário ao materialismo. Pode se dizer que o espiritismo é espiritualista, mas outras vertentes espiritualistas não são espíritas.

A doutrina espírita tem caráter cristão, a despeito do que dizem seus detratores, e isto é patente na questão 625 d’O Livro dos Espíritos, onde Allan Kardec questiona:. Qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo? A Resposta vem em uma palavra: Jesus.

Mas no espiritismo não se crê simplesmente porque as coisas são como são, na doutrina sempre se é necessário uma razão; uma lógica, nunca acaso, enfim, Deus não joga dados*.

Espiritismo: filosofia, ciência e religião.
Espiritismo: Conhecimento, pesquisa e fé.

(AEM, abril de 2014)

* Não tenho fé suficiente para ser ateu, pois Deus não joga dados.
Albert Einstein

terça-feira, 4 de março de 2014

INÊS E CINZAS

Foi embora a folia
Morreu a fantasia
É Inês que se foi
A Inês que brincava
A Inês que sorria
Cantava, pulava
Foi Inês do Sábado
Inês que insinuava
Lasciva, que jogava
Com sentimentos
Com o corpo suado
E no domingo me amou
Como menina
Como fera indomada
Na segunda desfilou
Em fantasia e serpentinas
Desfilou a pele morena
Suada, com olhar insinuante
Com os lábios ardentes
Desfilou e depois me amou
Novamente
Foi Inês da terça
Já exausta
Exausta, mas queria mais
E ainda pulou, brincou
No suor que corria
Sensual, linda, linda
Amou ainda
Um, dois, três
A mim também
Era Inês da folia
Da alegria
Dos homens
Foi Inês na quarta
E deixou em mim
Um desejo assim
Sei lá, um desejo
Desejo, desejo, ...
Deixou saudade da alegria
Das madrugadas ardentes
Foi Inês e deixou,
Cravou insolente,
Em mim
A mais densa fantasia
E se foi Inês
E foi Inês
Mais uma vez

(AEM, 2006)

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

INTERVALO PARA REFLEXÃO

Hoje quando desço a São João não me sinto mais como antes. Lá que era meu mundo; onde me afundava em minha solidão, que apenas por vezes (?) dava as caras. Hoje tudo está diferente. Sinto falta do velho Olido quando este era meu cinema preferido, não hoje como centro cultural, como Galeria Olido. Ótimo e merecido para este espaço, ótimo para a cidade. Progresso! Estamos mudados. A cidade se torna cada vez mais jovem e eu sigo na contramão desta via. Mas isto é somente a natureza da vida, das coisas. Isto de fato não me espanta, não me incomoda. Sei que aquilo que embala nossos sonhos nem sempre embala nossa realidade. E o tempo escancara esta verdade.

Em minhas transversalidades de hoje não vejo minhas casmurrices como algo anormal; assim como não vejo minhas diferenças com as ruas desta nova cidade como um incômodo. O que me traz uma certa acidez no estômago que transborda em minhas palavras é o passado que persiste como inacabado. Isto sim é o que se deveria se proibir. Proibir veemente que o passado nos assombre. Deveria haver uma lei afirmando isto.
Desço a São João.
O velho Olido é diferente, digo até que é um novo Olido. Revitalizado. Se os cinemas não estão mais aqui, ao menos os melhores (salvo o metamorfoseado Marabá e próprio Olido), meus demônios estão. Porque ainda anda por aqui a velha solidão que antes, nos meus melhores dias eram ocorrências ocasionais, às vezes, até buscadas?
Desço a São João.

Aqui, de tudo, apenas a solidão persiste. Meus olhos olham as pessoas (somente estas parecem ser as mesmas) e mais uma vez nada vêem. Minha boca nada tem a dizer, apenas cala os ácidos. Meus passos seguem ritmados, como sempre, na velocidade dos deserdados, mas hoje não é por mera opção. Apenas os fantasmas a gritar em minha mente parecem os mesmos. É isto mesmo: hoje os fantasmas gritam. Eis outra mudança; ou ... seria esta uma evolução? Fantasmas novos? Seja como for já não me fazem rir como antes.

A última vez que havia cruzado estas avenidas e ruas, cinemas e bares, dias e noites o fiz como despedida de uma vida que se renovava. Curioso: antes eu me renovava e a cidade se tornava ultrapassada. Renovação! Eis a palavra daquela época. Eis a palavra de hoje. Apenas os referidos são diferentes. Um dia eu; hoje as ruas.
Naquele dia de despedida não via nada disto. Estranho, mas tudo parecia tão natural: eu apenas estava com todos os atributos dos vencedores. Nada podia ver se não a mim mesmo e minhas conquistas. Eu havia vencido. Vencido a própria cidade.

Hoje desço a São João que um dia venci. As solidões haviam ficado aqui, assim como todos os outros fantasmas que apenas me faziam rir. Talvez os fantasmas não sejam outros e sim eu que apenas não suporte mais as mesmas e já envelhecidas piadas. Nada mais chato que piada repetida, principalmente se você é a personagem da comédia que se quer esquecer. As solidões haviam ficado aqui a esperam por mim. Portanto, eis me aqui.
Até quando?

Quando se tem vinte e poucos, tudo é fácil, tudo está lá, à mão, mas hoje ... Quando se tem vinte e poucos parece que nossos braços são gigantes, pois tudo está ao alcance. O sonho mais distante está ali, logo na esquina, mas se não estivesse se atravessaria mundos para pegá-los. O desejo mais aguçado se realiza na noite que chega; para isto não havia senões. A vontade mais atrevida é a ordem do dia; outra regra. Um mundo pode ser tomado pelas próprias mãos que não vêem limites.

Até a solidão, como escape de alguns momentos vãos, pareciam rir como piadas que se conta para se distrair nas fugas que eram por vezes necessárias. Somente hoje consigo ver que de fato já eram os fantasmas que se anunciavam em suas brincadeiras. Os fantasmas se anunciavam em todos os seus aspectos apoiando-se nas mãos ilimitadas a taparem os olhos e no coração que era forte o suficiente para enclausurar a mente. Hoje percebo que a vida deve ser jogada a todos os instantes, até o limite, pois nunca há intervalos. Quando surgem os intervalos é que somos nós que cansamos ou nos ferimos; ou ...
... simplesmente, fomos derrotados. Eis os fantasmas que surgem a fazerem suas piadas, mas agora estão gritando minhas comédias.
Desço a São João.

Até quando? Agora que não tenho mais vinte e poucos; agora que me vejo em denso intervalo?

(AEM, 2012 - Selecionado para a coletânea "São Paulo - Palavras e Progresso". Litteris Editora. Lançado na 22ª Bienal do Livro de São Paulo)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Comissão de ética

Se esta tal coisa (Comissão de Ética) for uma coisa advinda de Brasília, então esta expressão se torna, no mínimo, sem sentido.

Ou querem dar outro significado para a palavra Ética? A palavra comissão, ao menos lá, sempre tem o mesmo significado. Porém, estas palavras, lado a lado formando uma frase que, em situações normais é uma coisa, digamos, natural, entre os três impolutos poderes de nossa ré-pública se torna uma coisa diferente.

Lá, em nossa amada capital federal, Comissão significa comissão. Ética significa, significa, significa, ...

O que significa Ética nos corredores dos poderes oficialmente constituído? Será que para eles Ética também significa comissão? Seria, então, a Comissão da comissão.
Que coisa!?

(AEM, 2013)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

ODE AO NOSSO TEMPO

Parar para ouvir o que filosofa Dalai Lama ou o que mandava Hugo Chaves; ou ouvir Kiko ou Chaves ou O que Falava Zaratustra. Ver BBB, dormir em berço esplêndido, acender um ou largar toda esta droga e desejar ascender? 

Posso ouvir e pirar ouvindo heavy metal ou punk e depois ouvir clássicos da MPB, samba, sertanejo ou o que eu quiser. Nada como ter alma livre e tentar viver esta tal. Que se danem todas as opiniões em contrário e críticas se de repente eu resolver ouvir um funkzinho. Enfim, para que serve esta nossa tal democracia se for para fazer apenas o que se diz ser bom, belo e intelectual; o Politicamente Correto. Para ser sincero já estou de saco cheio deste tal PC; penso que é por isto que gosto do Chaves (o do programa e não aquele do petróleo). Não existe programa com mais nuances do politicamente incorreto do que o que faziam Chaves, Kiko e cia; isto, hoje em dia, chega a ser saudável.

Em nossos dias, em tv, tudo parece ter um ar hipnotizante com o intuito de vender coca-cola.

Mas que se dane: que se beba toda coca do mundo; ou que se cheire.

Em nossos dias parece que estamos vivendo o fim dos tempos da liberdade individual pelo controle de toda a sociedade que quer se mostrar moral, religiosa e filosófica. Nos velhos tempos havia um ditador que controlava tudo; hoje são todos querendo ter controle sobre um. Penso que seguindo esta tendência, os que no futuro desejarem liberdade não terão mais margens para revoluções.

Enquanto este tempo não chega vivamos o que de fato importa: que é ser livre (e feliz: fundamental) para se pensar e fazer ... ou não.

(AEM, 2013)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

BRUNO E AS FORMIGAS

Sempre que vejo um fila de formiguinhas no árduo trabalho do instinto, paro e perco-me na mais pura abstração. Fico olhando as criaturinhas a correr como se sobre trilhos. Antes, por pura curiosidade passava alguma coisa, como palito, prego, agulha, sobre o caminho e elas paravam como seu eu houvesse aberto uma cratera em sua rota, ou paravam como se batessem em uma parede; sem ter como prosseguir, voltavam pelo caminho demarcado.

Engraçado quando se encontram nas idas e vindas, acho que até “batem cabeça”, daí desviam e cada uma segue o próprio destino cego sem, contudo, descarrilar. 
Se livre de qualquer vontade ou desejo de fazer algo, ou, se não houver deveres clamando por mim, posso passar até minutos olhando a monótona e cansativa vida destes pequenos seres. 

Entro, como em um vazio mental; uma quase terapia. 
Quando volto aos raciocínios viajo em analogias sobre as vidas das formigas e as humanas. 
E não é preciso viajar muito para perceber que há muito de formiga no Homem. Somos bem mais que somente instintos, porém, ainda dominados por estes. Parece que o que mais fazemos é satisfazer ou descobrir meios mais eficazes e prazerosos de nos satisfazermos em nossos desejos mais imediatos, mais animalescos. Diferimos das formigas neste aspecto: encontramos prazer nos instintos. 

Não que seja mal a busca do prazer, muito pelo contrário, é uma necessidade básica; a busca do prazer nos instintos é quase um outro instinto de preservação, e nem estou falando de sexo. 

Até parece que corremos nos dias e noites rumo a uma forma de perpetuar os prazeres, ou de busca-los (nem aí falo somente em sexo). Chamamos, quase sempre, de busca da felicidade. Um disfarce nobre para nossos instintos.

Não faço estas reflexões por mera crítica ao Ser Humano, nem mesmo como autocrítica, que, confesso, se referente a mim seria bem justa, até porque é bom o prazer, muito bom mesmo; maravilhoso; e nem aqui estou somente falando de sexo. 

Deixando o lado instinto, antes que eu realmente comece a falar em sexo e descambe para onde não é meu interesse neste texto, parto para o que realmente busco nestas reflexões que é traçar um paralelo entre homens comuns e as formigas e Bruno; Giordano Bruno. Tento deixar os instintos em busca da inteligência e intuição. 

Usarei este ícone da Humanidade, sem maiores pretensões, pois conheço e reconheço minha pequenez e parca capacidade intelectual, ainda mais ante este gigante. 
E o usarei por ter assistido esta semana um filme biográfico sobre ele. 

Começo pelo fim do filme, ou seja, começo pela fogueira. Começo pelo fogo que tinha a intenção de salva-lo do inferno pelas blasfêmias e heresias que cometeu em escrever e falar contra a verdade secular. 

As chamas devoraram um corpo, mas é certo não devoraram o Espírito, a essência; a mesma essência que ele defendeu até o martírio. Não temeu o julgamento. Tão somente, encenou uma abjuração no primeiro julgamento por considerar que vivo poderia agir e divulgar seus pensamentos e lançar um pouco mais de luz sobre as trevas.

Este mártir do livre pensamento viajou como andarilho por toda Europa, levando sua lógica, razão e princípios; foi recebido em todas as cortes ditas civilizadas da época e deixou suas marcas. Falou daquilo que via como lógico e questionou pensamentos, principalmente teológicos, que considerava equivocado. Mas, o que soava inconsistente para sua razão lúcida e livre, para os tribunais da Inquisição era a verdade máxima. 
E a Santa Inquisição tentou condenar pensamentos livres na figura da carne. Quão vã tentativa. 

Mesmo que se condenem milhares de homens, milhões, a Verdade sempre será intocada. Nenhum tribunal do mundo foi e é capaz de revogar Leis Eternas. Bruno foi para a fogueira e suas obras condenadas ao mesmo destino. Deu-se, naqueles dias uma aparente vitória da Eclésia.

E nos dias de hoje, o que há de doutrinas e de fé? O que ainda ficou das passagens de Bruno, passados mais de quatrocentos anos? 
Talvez, o que de pior ainda sobra do século do mártir do livre pensamento, seja a massa que ainda é como de formigas. Se, por força das provas incontestáveis a Terra deixou de ser centro do Universo, a velha carcaça de carne e sangue ainda persiste em ser o centro da vida. 

Não são muitos os que conseguem realmente vislumbrar os infinitos no tempo e no espaço. Não é lugar comum buscar os fatos e as possibilidades sem uma antevisão que descaracterize o novo, aliás, o eterno, de forma que não deforme pelos conceitos amarrados em velhos pacotes já prontos e mofos. Prontos e feitos por homens com tochas à mão. Mofos por estarem aprisionados em celas filosóficas medievais. 

Vivemos atualmente em um mundo livre para o pensamento. Através dos milênios tanto se ambicionou, tanto se lutou por este livre pensar, para hoje nos prendermos nos instintos, no agora, no metro quadrado que em pisamos? Tanto se lutou para nos deixamos levar por encomendas em formato bonitinho com o intuito de não dizer nada e ficar tudo como está? 
Não! É certo que não. 

Pior ainda é que quando se busca um pensamento mais profundo, não fica difícil notar a falta de alma, de aspiração, de inspiração. Falta um quê de Giordano Bruno, falta uma nobreza de coração e mente que vem antes mesmo de dizer, de escrever. Talvez falte o fantasma das fogueiras: será que a Inquisição está fazendo falta? É curioso: alguns dos mais inspirados versos da MPB foram nos anos da ditadura.

Será que se não houvesse escravos, Castro Alves não “flutuaria”? Os versos de Castro Alves foram brilhante falando de tudo, portanto, não foram os navios negreiros que o fizeram.

Não é a falta de sombras mórbidas que cala os corações e mentes de hoje, mas a falta de um brilho com ligação mais profunda com o eu interior, ou uma “sombra” que nos siga e fale conosco, e nem precisa ser a que acompanhava Sócrates e o mantinha absorto; ou algo como Charles Dickens* que, dizem, conversava com seus personagens.

O mundo de hoje luta contra as agruras, que de fato não são somente de hoje, mas de sempre, com as mesmas armas que também são de sempre, exceto pela liberdade, fato novo, que é mal utilizada, ou mesmo ignorada. Será mero comodismo? Martela em minha mente um pensamento de Pietro Ubaldi: para homens novos, métodos novos. E os métodos milenares fazem com que o homem velho desejoso, necessitado de renascer, agonize.

E o homem velho não morre e segue a bater cabeça, tentando dar vidas e cores aos instintos, talvez como válvula de escape, sobrepujando a inteligência que tem única serventia: garantir os prazeres momentâneos. Nós, míseras formigas a nos perdemos ante os riscos que os destinos e fados impõem. Eis uma nova fogueira que queima mais lenta que a de Giordano Bruno, que morreu, mas vive.

* Não tenho certeza se era mesmo Dickens que conversava com os personagens; se não for este escritor que o outro me perdoe. Se alguém souber que é me diga.

(AEM, 2006)