domingo, 24 de setembro de 2017

Arte do descaso com a arte

          
Centro Municipal de Educação Adamastor - Guarulhos/SP
Exposição desprezada para acomodar um evento sobre educação


“Talvez se busque para arte um público que ela não tenha.”

Este pensamento de Paulo Venâncio Filho vez por outra volta a minha mente. E volta forte, sobretudo em momentos como o que estou testemunhando atualmente tão próximo; vem e me obriga a dar razão ao curador carioca que nos expressou isto em uma entrevista dada na época da 30 x Bienal.

O que sempre me traz à memória a entrevista vem das tantas e tantas exposições que já participei da montagem. E digo mesmo que ir a um Salão de Exposição e montar/pensar uma mostra é algo que realmente gosto muito. Sobretudo quando se trata de um artista de alto nível, como Gustavo Moreno, artista da Bahia que, inclusive, venceu o 15º Salão de Arte de Guarulhos e que foi profundamente desrespeitado pela organização de um evento que está acontecendo no Adamastor; assim como foram desrespeitados todos que são admiradores das artes e de Cultura verdadeira. Senti-me também atingido, pois, enfim foi mais uma das tantas exposições que participei na montagem.

Com todas as limitações e dificuldades imagináveis que há no poder público já participei de dezenas, talvez, centenas de montagens de exposições nos espaços oficiais da prefeitura (Adamastor, BML e CPE) e até em outros espaços; nos sete anos que trabalho com artes vi algumas vezes as exposições causaram algum tipo de problema, estranheza, algo perfeitamente normal (arte e artista causar), porém sempre o diálogo prevaleceu e sempre se solucionou; de alguns casos hoje em dia rimos das histórias que vivemos, como quando o Pato teve que “colocar cueca” em um grafite; ou uma nada discreta fita azul colocada para proteger, em um Salão de Arte, uma obra que tinha quase duzentas facas.

Porém, e a atualidade? O diálogo pode ser considerado coisa do passado?
Espero que não.

Mas, eu que passei uma temporada no CEU Paraíso – Alvorada retornei de onde não deveria/queria sair há dois meses, e neste tempo já vi o vazio deixado por obras retiradas de uma exposição de forma totalmente arbitrária por questões morais-religiosas; vi agentes/funcionários de uma universidade local colocar uma intervenção absurda em meio ao salão de exposição; vi trabalhadores de uma empresa que iria promover um evento começar a desmontar um sala que havíamos criado para guarda temporária de obras; e agora testemunho uma verdadeira ressignificação de uma exposição, uma total e devastadora desvalorização da arte e de um artista muito talentoso.

É com este espírito que se prepara mais uma Conferência de Cultura?
Fica a questão: que tipo de cultura irá se tratar?
Quando veremos uma Política Cultural prevalecer sobre a cultura política?

Espero, sinceramente, que as coisas mudem.
Espero que antes de se retirar obras, seja por que motivo for, se busque entender os porquês dos trabalhos, através do diálogo;
Espero que antes de se “atropelar” uma exposição, ou qualquer outra atividade, busque-se o diálogo antes de tomar atitudes arbitrárias;
Espero que antes de se agir de forma imediatista para atender seja quem ou o que for se saiba que as coisas são programadas, preparadas e pensadas com muita antecedência; e que assim devem ser;
Espero que, da maneira que for possível, o poder público não trabalhe para si próprio, mas para os cidadãos, que no caso da cultura “ganham o status” de artista e admiradores de artes, que merecem e devem ser respeitado como todos; até porque são fonte criadora, agregadora, inspiradora, questionadora e muito mais;

Enfim, espero que haja uma política onde se tenha como princípio, no mínimo, o respeito como norteador das ações.

Sei que ao modo em que as coisas estão não dá para esperar mais, pois se nota claro a percepção apresentada por Paulo Venâncio; há um predomínio escancarado do pragmatismo e da burocracia. E o pragmático é elemento terra. Não se espera que este seja capaz de absorver com facilidade coisas fluidas e coisas dos ares; coisas que queimam se tornam impensáveis  e inaceitáveis.

As coisas etéreas nem sequer podem ser vislumbradas.


(AEM, Set/17)

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