sexta-feira, 16 de novembro de 2018

SHILO SHIV SULEMAN

Imagem 1 (fotografia da artista)– fonte://www.mariamolfino.com/

Shilo Shiv Suleman, nascida em Singapura em 1989, ainda criança foi levada pela mãe, também artista plástica, para a Índia, baseando-se na cidade de Bangalore, adotando a nacionalidade deste país. Ilustradora e artista visual, sua principal área de interesse é a narração visual através de múltiplos meios e busca de interação entre arte e corpo. A prática de Shilo se concentra na interseção do realismo mágico[1], da arte para a mudança social e da tecnologia. Ilustrou o primeiro livro para crianças aos dezesseis anos de idade e posteriormente outros mais para algumas das mais conhecidas editoras da Índia. Ela é a fundadora e diretora do "The Fearless Collective" que se envolve com questões de gênero e sexualidade através da arte para a mudança social. Tem se envolvido ativamente na criação de projetos de arte comunitária e coletivos que levam as pessoas a apreciar e criar arte de rua em nos arredores em que vivem, bem como usar arte e design para trazer questões socialmente relevantes na Índia contemporânea.

Imagem 2 (Pulse and Boom – Instalação - 2014) – Fonte: http://bonifisheii.blogspot.com.br/

Shilo também concebe obras que buscam o biofeedback onde cria instalações gigantescas como “Pulse and Bloom” (imagem 2), instalação que se conecta e bate com o ritmo do coração, o que fez com que ela desenvolvesse o trabalho com neurocientista na criação desta obra interativa; também trabalhou aplicativos que reagem com as ondas cerebrais e esculturas que brilham com a respiração.
Fundou um coletivo com mais de 400 artistas na Índia usando arte comunitária para protestar contra a violência de gênero, com o qual foi apresentada em uma série de documentários, incluindo Rebel Music pela MTV.
Recebeu os prêmio “Femina "Woman of Worth award" em 2014 por seu trabalho com arte que questiona e denuncia a violência de gênero e o “Futurebooks Digital Innovation” em Londres.

INFLUÊNCIA
            Criada apenas pela mãe-artista, Shilo deve ter sentido a força desta mulher, pois como afirma, já aos onze anos a observando, que enquanto você fizer o que você ama, as coisas funcionam[1]; e  que as mulheres são pessoas fortes, capazes, incríveis e independentes. A partir do exemplo de força da mãe levou a própria vida de forma profunda. Foi nesta época que começou a pintar e já trabalhava quadros grandes. Começou na arte como forma de catarse, assim afirma.
            Ao começar a ilustrar livros infantis reencontrou a criança que a habitava e agarra-se ao mundo mágico; mundos dos heróis e heroínas fantásticos e dos mitos; mundos da fantasia. Daí a influência para as criações que se amalgama com a tecnologia e escapam para a realidade social que vitima, sobretudo, a mulher. Uma magia que se alia a força, talento e inteligência de uma mulher que quer vencer a própria tradição milenar da cultura do país que adotou. Para isto faz uso da tecnologia para produzir maravilhas sejam em grandes instalações em que busca a interação íntima ou nos murais em que se abre para as questões de gênero, sexualidade e social. Ao buscar os contos mágicos ela quer exteriorizar a magia em um novo mundo. Um mundo onde se encontre com a esperança e auto confiança; talvez onde se encontre com a empatia e com a compreensão.            Assim a artista segue com uma arte da interação, da união, tentando encontrar a Humanidade em cada um.
Os mitos e histórias ancestrais são também fortes fontes de influências, mas alega que em termos de pessoas reais suas influencias são mesmo a própria mãe e as amigas que a ajudam a compor uma nova história e quem sabe, até a compor uma nova realidade em que o medo se torne apenas uma história passada.
            Inspira-se também na beleza que pode transformar, beleza esta que não se trata de uma coisa objetiva, mas uma que traz a verdade em forma de essência e uma beleza que surge no realismo mágico. A relação com a natureza também a inspira, assim importa como a flor se abre para a forma, como sente o vento, etc. O pulsar da vida em sua plenitude e suas interconexões parecem ser o que move a artista.



THE FEARLESS COLLECTIVE

Imagem 3 (Fotografia por Shilo Shiv Suleman) – Fonte: http://www.designwala.org/
The Fearless Campaign | Art in the age of social media

Ao criar o The Fearless Collecttive (Coletivo sem medo), um grupo de artista que produz arte mural nas ruas das cidades indiana, Shilo mostra já no nome do coletivo a intenção de ação e enfrentamento e de forma ousada vai criando obras murais e conexões por todo o país e até mesmo no exterior. Ao envolver em torno de si e do coletivo centenas de pessoas para produzir arte-contestação não houve como não produzir resultados rápidos e confrontos que no caso indiano advém de uma cultura milenar de tradição de submissão da mulher. Que em verdade é uma realidade muito mais abrangente que envolve todo o globo; por isto a resposta e admiração vinda de diversos partes do mundo.
            A arte do grupo, que também envolve pessoas comuns (de todas as idades e origem; homens e mulheres; etc) nos trabalhos, traz sempre imagens e pensamentos que questionam as posições estabelecidas. Uma experiência interessante narrada pela artista é o fato de como as pessoas reagem ao pintar pela primeira vez. No mundo de magia de Shilo a expressão mágica é a que usa para definir o estado libertador das pessoas após a hesitação inicial; hesitação que desaparece com a pintura que começa a surgir em contornos de reação social. Isto é bem compreensível, pois ao nos descobrirmos criadores nos descobrimos livres. Enfim, a criação não conhece fronteiras nem de estados, nem de gênero ou castas; nem de origem ou etnia. Sobretudo uma criação que faz com que se exteriorize os sentimentos pesados da repressão e dos medos em busca de uma via que se possa cruzar da forma que se queira, sem imposições que já não cabem mais, ou não deveria caber, na nova sociedade.
            Embora enfrente o conservadorismo arraigada à Sociedade indiana a artista festeja por não ter repressão policial à arte urbana em seu país, diferente do que acontece em quase todo o mundo. Inclusive afirma que a arte das ruas é assemelhada a um serviço público prestado pelo artista.
            Por outro lado Shilo narra a história de que quando pintava com um grupo de meninas alguns homens queriam que elas parassem, pois não gostavam de ver meninas pintando e expondo suas idéias e opiniões de forma pública.
            Fundamental para Shilo e o coletivo é que a linguagem das ruas se mantém em cores e questionamentos que não terminam quando deixam a arte-denúncia nos muros e paredes, pois esta permanece meses após término do trabalho mantendo o diálogo permanente. As pessoas falam e pensam sobre o que vêem por muito tempo. Enfim, segue semeando suavemente suas idéias e projetos para todos.
Para Shilo o movimento feminista é inteiramente sobre a recuperação do espaço público, assim como o movimento da arte de rua. Neste ponto encontremos a fonte de energia da artista que quer as ruas e a artes libertas.

EU NÃO PEDI POR ISTO
Em dezembro de 2013 uma mulher foi estuprada por oito homens em um ônibus em Nova Déli causando comoção e uma série de protestos na cidade e no país. Shilo também foi às ruas. Conhecido como Caso Nirbhaya (nome da vítima) esta tragédia levou aos primeiros protestos contra a violação de mulheres na Índia.
            Se de um lado houveram muitos protestos, muitas discussões sobre a questão de gênero e sexualidade, por outro, de forma velada seguia a repressão na forma de medos impostos por uma aura que envolvia os meios; foi isto que a artista se deu conta e partiu para os questionamentos. Assim familiares e amigos diziam para ela manter certos comportamentos e evitar outros como forma de auto-preservação.
Porém, se diziam que ela deveria tomar cuidados com o que deveria vestir (ou não vestir), ela não queria aceitar esta imposição;
Se dizia para não pegar ônibus ou não sair à noite, não aceitava ter seu destino imposto por uma situação que não era autora.
Não faça isto, não faça aquilo; creio que isto lhe ecoava como surreal, algo longe de seu mundo de magia; seu mundo de conto de fadas em que os medos e vilões são sempre vencidos no final.
O que ela viu e entendeu é que o medo é sempre contra-produtivo para mudar, e  não importa o quê, nunca é minha culpa. Eu não posso conter minha própria vida, a fim de impedir que isso aconteça. E que muito do medo estava na mente. Os medos estavam na mente dela e em todas as outras; uma epidemia que escraviza as pessoas e embota os projetos. Porém, ao descobrirmos os nossos pontos limitadores encontramos o caminho a trilhar e foi isto que a artista se deu conta.

Imagem 4 (Eu não pedi por isto - Cartaz) - Fonte: http://cupick.com/thefearlesscollective

Ela não queria, não quer mais pessoas reclusas, enfim o novo mundo pede por libertação; ela quer as pessoas nas ruas, caminhar à noite, viver o espaço público. Ela, e ninguém que está escondido sob a cortina de medos, não tem culpa pelo o que acontece ou aconteceu; não tem culpa pelo que a história impõe de padrões e valores que castram e censura; que ameaçam e fragmenta. A Sociedade tem de tomar as ruas da cidade, pois as pessoas não podem viver com culpas que não tem. Daí inicia a campanha Sem Medo e dizia “Eu não pedi por isto” (imagem 4). Shilo parece deixar o mundo da magia e dá um grito que quer dizer mais que um simples protesto contra a violência, ela parece desejar que a olhem em seu tempo e não com olhos de milhares de anos.
O trabalho da artista começou e ganhou força quando conheceu um sadhu[1] que disse a ela quando questionado sobre os deuses que Se você quer ser tratado como uma deusa, então por que você está esperando alguém para tratá-la como uma? Um questionamento que certamente a envolveu, pois ela mesma se questionou e concordou com seus pensamentos. Indo além concluiu que O que adoramos, vamos nos tornar. Seria isto: se adoramos deuses podemos nos tornar deuses também? Ao que tudo indica a artista tomou esta filosofia como sentido de vida e, mais que isto, vai em um projeto de empoderamento social que tem conseguido resultados.
Assim, a voz desta artista, de tão forte e tão honesta, foi ouvida e gerou uma campanha pela internet que deu origem a mais de quatrocentos cartazes vindo não apenas da Índia, mas também de outros paises, simbolizando o quanto se quer renovação; o quanto se quer quebrar silêncios. A resposta à solicitação de Shilo e do grupo mostra ainda a força do trabalho realizado nas ruas e muros das cidades da Índia.
Imagem 5 (Eu sou meu próprio herói – Grafite) - Fonte: https://mir-s3-cdn-cf.behance.net/

Atos como este, até de forma natural, geram opositores, enfim, há um mundo que “sempre foi assim” porque muda-lo? Como pegar o tradicional, o já tão arraigado na cultura da sociedade que já é há muito tomado como um dogma de veredicto final, e questionar? Como e porque questionar a tradição milenar?
Um grito de liberdade traz como parte de si as correntes quebradas que querem ser soldadas novamente. E as correntes surgem de todas as formas e de todos os lados. Uma desta forma está no cinema indiano, o que mais produz filmes no mundo, que criou ou se apossou da vida cotidiana, e segundo Shilo reproduz o arquétipo da mulher virginal, que será seduzida até dizer sim para o herói, por mais nãos que dê durante as cenas do filme. Assim fica clara a mensagem. Além das histórias em que homens lutam para salvar as mulheres de serem estupradas, mas que ao final deixam as lições de como ele deve estar vestida, para não se tornar uma vítima; deve usar isto ou não deve estar usando aquilo. O cinema indiano de forma sutil deixa claro que a culpa vem da pessoa que quer se expressar livremente e não da cultura equivocada. Uma resposta para isto veio em um mural em um cinema (imagem 6).
Se a ferramenta moderna quer manter e confirmar os milênios, temos do outro lado que uma história milenar vem com uma mensagem libertadora. Para isto ela cita o mito da deusa Bahuchara Mata que estava sendo molestada por homens que queriam tomá-la à força e que em sua reação se auto-mutilou cortando os próprio seios. Ao ver isto os deuses se sensibilizaram com o sacrifício da deusa e concluíram que quando ela superou o gênero, ela se tornou verdadeiramente livre. E como recompensa a tornaram deusa dos transgêneros. A partir desta história Shilo concluiu que eu sou mais do que o meu corpo. Nada mais libertador que encontrar a própria essência.
            Seja como for a artista segue confiante e produzindo arte e histórias; ganhando prêmios e incentivos. Neste nosso tempo em que as tradições estão em xeque a voz de Shilo, que ganhou a grande rede, se torna universal. Universal porque é sincero e verdadeiro. E isto pode ser visto em vídeos onde ao lado de crianças pinta, diverte-se e liberta mentes sempre de forma sensível e sem demonstrar medos.
            E sem medo pinta e escreve nos muros das cidades coisas proibidas como: toda mulher é uma deusa. Agindo assim pode se esperar a  reação dos fundamentalistas. Porém, o mundo está se transformando e vem e diz que ela não está só; há resistência também ao lado dela, ao lado dos que querem viver tempos de liberdade e tolerância mútua. Então a comunidade aceita e enfrenta o problema e começa a discutir sobre o assunto.
Enfrenta porque o chamado vem de um novo tempo;
Porque o chamado vem da arte e pela arte;
Porque o chamado ecoa com força e sensibilidade;
Porque é tempo de liberdade;
Porque o chamado vem de uma deusa.

Imagem 6 (O que adoramos, nos tornaremos  – Grafite) – Fonte: https://cupick.com/thefearlesscollective/

OUTROS TRABALHOS

( Grafite ) – Fonte: http://bonifisheii.blogspot.com.br/



( Alguns ilustrações ) – Fonte: http://bonifisheii.blogspot.com.br/



 (Pulse and Boom – Instalação - 2014) – Fonte: http://bonifisheii.blogspot.com.br/



 (Arte coletiva no Nepal – Fotograma de vídeo) – Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=QfLHkbeKINU



(Here Come's the Sun - and I say, it's allright - Grafite ) – Fonte: http://bonifisheii.blogspot.com.br/




[1] Realismo mágico é como a artista define as histórias e mitos infantis que a influenciou desde que começou a ilustrar livros para este gênero de literatura aos dezesseis anos.

[2] Todas expressões em estilo itálico são transcrições de tradução livre de depoimento de Shilo Shiv Suleman.

[3] Sadhu, no hinduísmo, é um termo comum para designar um místico, um asceta, um praticante de ioga ou um monge andarilho. "Sadhu" é, também, uma expressão em sânscrito e páli usada como interjeição para algo bem-sucedido ou realizado com perfeição. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sadhu.

Referências:
Entrevistas em sites e pesquisas em páginas pessoal da artista em redes sociais na internet.

http://bonifisheii.blogspot.com.br/
Designwala - The Fearless Campaign Art in the age of social media http://www.designwala.org/
Facebook - https://www.facebook.com/shilosuleman/?fref=ts
Maria Molfino - Shilo Shiv Suleman On Being Fearless & Feminine Spirituality -  http://www.mariamolfino.com/wisdom-articles/2014/11/11/shilo-suleman-on-feminine-spirituality-art 
Sayfty - Meet the Woman Extraordinaire – Shilo Shiv Suleman -  http://sayfty.com/shilo-shiv-suleman/
Shilo Shiv Suleman - http://bonifisheii.blogspot.com.br/
The Fearless Collective's Portfolio - http://cupick.com/thefearlesscollective/


(AEM, 2017)

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