quinta-feira, 28 de março de 2013

Quem é este crucificado?


         Tanto falam de um crucificado, um martirizado que fico a me perguntar: quem é este?
Ouvi certa vez alguns atores que iriam trabalhar - e outros que já haviam trabalhado - na encenação da Paixão de Cristo discutindo a tal peça. Uma das atrizes comentou que se deve trabalhar o Jesus histórico; e disse isto em um tom de quem não crê no Cristo. Creio que o Jesus em que ela não acredita seja o Jesus místico; não houve aprofundamento sobre isto.
Porém, o que aquela moça parece não saber é que não existe este Jesus histórico; como história Jesus existe tanto como o Rei Artur, o Minotauro, a Alice (aquela do país das maravilhas) e qualquer outro personagem literário ou lendário, pois jamais houve constatação de historiadores acerca de Jesus Cristo*; o que existe de fato sobre Jesus são os quatro evangelhos e os demais livros do Novo Testamento. Há ainda os chamados evangelhos apócrifos. Toda esta obra foi escrita por seguidores de um tal profeta, ou coisa que valha; e estes escritos foram feitos décadas depois dos fatos que dão testemunho. Para complicar ainda, há o fato de que alguns destes escritores nem sequer O conheceram. Imaginem seguidores de Hitler escrevendo sobre seu mestre? O que sairia de tal obra?  Por enquanto não há bases históricas confiáveis sobre o Messias Nazareno.
Embora não haja esta formalidade histórica, no entanto, há no mundo cristão quatro datas por cada ano dedicadas a esta história sem corpo, aliás, há um corpo: o pão; e que não possui sangue (o vinho é Seu sangue), dizem ainda que este sangue tem poder; não possui nem uma pedra para recostar a cabeça, mas deita-se na eternidade. Há ainda um feriado dedicado à mãe dele. Criaram-se e criam-se igrejas pelos seus seguidores; criaram-se e criam-se estigmas por seus mais profundo conhecedores; criaram-se e criam-se santos de seus mais devotos seguidores. Fizeram-se e fazem guerras em seu nome; fizeram e fazem demagogias em seu nome.
Querem destroná-lo. Querem exaltá-lo.
Querem descrucificá-lo. Querem recrucificá-lo.
Querem odiá-lo. Querem amá-lo.
Querem. Querem. Querem...
Mas nada resolvem.
Apenas tentam, em vão, explicá-lo, seja como verdade, seja como mentira.
Mas, indo aos fatos.
No ano de 64 de nossa era, pegou, ou atearam fogo em Roma; dizem que o autor da façanha foi Nero, este por sua vez imputou a autoria aos cristãos.
Pergunto-me: quem, ou o que eram estes tais cristãos?
A partir deste episódio Jesus surge como história no ocidente, não com Ele próprio, mas por seus seguidores, isto trinta e um ano após sua morte e milhares de quilômetros da Judéia.
Estes, ditos piromaníacos, sofreram perseguições ácidas e suportaram torturas e mortes terríveis. Em troca de que aceitaram, resistiram e resignaram-se a tais sofrimentos? E como, apesar de tantos massacres nos circos romanos, esta tal crença sobreviveu? É uma ótima questão a ser resolvida se o tal ressuscitado não existiu.
Como fato curioso nestas questões é que toda filosofia em que se baseia o ateísmo e as doutrinas anticristãs têm de se firmar em crenças. Não há como se discutir teorias, história oral e metafísica sem uma boa dose de crenças; há um momento em que se terá de chegar a um ponto em que não dá para ir mais longe de forma empírica e terá de firmar na fé (ou na mais absoluta falta de fé). Esta mais absoluta falta de fé nada mais é que fé, digamos, às avessas. Ou acomoda-se e suspende-se o juízo. Isto é o que os fazem cair em contradição em suas pseudofaltas de crenças. Não há descrença, mas crença no contrário do que outros crêem, pois ninguém pode afirmar com convicções e fatos sobre coisas etéreas, coisas em que não há constatação científica. Em questões em que não há como fazer constatações empíricas, tudo se transforma em crenças.
Fé e ceticismo (fé dos “sábios”) são tão somente dois lados da mesma moeda.
Intelectuais, comumente, preferem a praticidade da dúvida; é bom, cômodo diria, pois a fé é letra morta para os que nada tem, principalmente cultura filosófica. Ou você já leu Nietzche? Não “possuir fé” é ser acima dos normais, do vulgo, do comum. Incrível! Porque não possuir fé é, de fato, ter um tipo da tal fé às avessas, mas as pessoas normalmente não se dão conta disto. Vale dizer que o ceticismo tem seu valor pela pesquisa mental do Ser e do Não Ser, enquanto a grande maioria dos crentes (em Deus, em Jesus, em religiões) tem sua base na simplicidade de crer sem muita justificativa, sem fazer perguntas sobre os porquês das vidas; ou a dor e os infortúnios o levam para um mundo em que somente um Deus poderia ser solução.
Assim é tratada a fé em nosso mundo, em nosso tempo. Talvez sempre tenha sido assim. Em nosso tempo, contudo, há um outro fator: a evolução tecnológica. A tecnologia nos faz pensar (ou crer) que superamos o tempo dos deuses, o tempo de Cristo, o tempo de Deus. Porém, li, há algum tempo, em uma das edições da revista Seleções que no início do século XX, pensadores e cientistas foram convidados a fazer previsões de como seria o mundo de hoje, e quase todos (segundo a revista) davam como certo que o cristianismo não chegaria vivo para o século XXI. O que dizer hoje? Quem apostaria no sepultamento do Cristianismo para o início do século XXII?
Mas, existe corpo para ser sepultado? Não, eis o grande problema dos céticos: os mártires e as ideologias são mais difíceis de matar, para tal é necessário um ícone maior e uma ideologia mais poderosa; e até hoje esta não surgiu. Torturam e mataram cristãos nas arenas romanas e estes ainda persistiram (porque tal resistência?). Hoje, matar e torturar não são mais permitidos, a não ser psicologicamente e moralmente (diga-se que estes também não são mais tolerados). Daí não resta mais nada a fazer senão, baseando-se em teorias e anti-fé (digo: fé às avessas), argumentar contra as igrejas e pessoas que processam uma crença. Óbvio que a crença em Jesus é o alvo predileto pelos os que neles não crêem, principalmente pelo que este representa em nosso mundo. E como não poderia ser diferente os crentes se defendem condenando os céticos; e condenam ao fogo eterno.
Isto para mim soa estranho, porque, atendo-me somente aos fatos, digo que vivemos em um mundo livre (ou não?). Por que as pessoas simplesmente não vivem e deixam viver? Fato: no plano em que se sai do material tudo passa a ser questão de crenças, e será assim até que haja constatação científica; portanto, sempre terá que ser posto acima de qualquer teoria ou pensamento o respeito à teoria e ao pensamento do outro; ninguém pode vir e dizer que, de fato, conhece a Verdade; deve ser esta a base para uma boa convivência entre as diferenças.
Contudo, por minha vez, deixo uma questão: porque a civilização ocidental, que foi construída com as bases dadas pela cultura grego-romana, que era pagã se tornou fundamentalmente socrática-cristã, ou seja, nossa sociedade que teria tudo para ser pagã acabou por ser embasada em dois personagens que, segundo muitos, não existiram, mas que reverteram o paganismo.
Nós não vemos a luz, mas somente seus efeitos, mas não podemos negar sua existência; minha crença é que este tal crucificado de que tanto falam seja como a luz.
Como duvidar da força do espírito que suportou torturas, fogueiras, a cicuta e a cruz? E que ainda persiste?

* Em verdade existe uma citação pequena, sem muita significação, sobre Jesus feita por Flávio Josefo, historiador judaico-romano. 

(AEM, 2012)

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