sexta-feira, 16 de novembro de 2018

HERCULES FLORENCE

EXPERIÊNCIAS QUÍMICAS DE HERCULES FLORENCE EM BUSCA DA FOTOGRAFIA 


HERCULES FLORENCE[1]

Antoine Hercule Romuald Florence, artista e inventor, nasceu em 1804 na cidade de Nice, França e veio para o Brasil em 1824, onde passou a viver. Florence, a princípio, permaneceu e trabalhou no Rio de Janeiro. Em 1825 foi convidado para ser o segundo desenhista da Expedição Langsdorff, seguindo com os exploradores rumo ao sertão brasileiro. Ao passar pelo interior de São Paulo conheceu Maria Angélica Alvarez Machado e Vasconcelos com quem viria a se casar em 1830, após o término da expedição e passa a viver na Vila de São Carlos (atual cidade de Campinas/SP).
É de Hercules Florence o único relato da infortunada expedição que posteriormente foi traduzida pelo Visconde de Taunay e publicada em 1875 na Revista Trimestral do Instituto Geográfico Brasileiro.

            Um dos trabalhos de Florence que resultaram da expedição foi um tratado de Zoofonia, que tratava dos sons produzidos pelos animais, que desejava publicar; mas o fato de haver apenas uma única tipografia em São Paulo dificultou seu intento, que passa então a pesquisar processos de impressão. Destas pesquisas iniciais cria o processo que deu o nome de Poligrafia (Polygraphie), pela qual, em 1831, imprimi 16 páginas contendo um sistema musical de 28 figuras e detalhes de um ensaio sobre a Zoophonie[2].
            Em 1832 Hercules Florence tem, o que ele chamou de premeditação e concebeu a idéia de impressão pela luz solar[3].

AS PESQUISAS QÍMICAS
Nitrato de prata[4]
Creio que um dia se imprimirá pela ação da luz.

Com este pensamento Hercules Florence começa o primeiro diário[5] manuscrito que trata de suas pesquisas e experimentos na busca de um meio eficiente de reprodução; isto já demonstra a confiança do pesquisador em seus trabalhos sobre impressão com a luz que se iniciaram em 1832.
Partindo do principio de que a luz descolore os objetos, propriedade que ela havia observado em peças indianas expostas à claridade. Por não ser químico Florence alega não conhecer as melhores substâncias que sofreriam maiores alterações sob a luz solar, porém mesmo sem o conhecimento pleno, conhece as qualidades do nitrato de prata a qual considera a melhor substância que tem a qualidade de enegrecer ao Sol. Mas o que buscava era uma substância que de preta se tornasse branca ou cuja cor se tornasse facilmente mais clara. Seria possível que uma tal substância utilizada em uma câmera obscura poderia captar uma imagem e fixar sob a escuridão e as meias tintas favoreceriam a descoloração só pela metade.
Em 20 de janeiro de 1833, Florence descreve no diário o que chamou de duas felicíssimas experiências.
A primeira narra como fabricou muito imperfeitamente uma câmera obscura onde introduziu uma lente que retirou de um óculo e colocou um espelho.  Dentro colocou em conveniente altura um pedaço de papel embebido em de fraca dissolução de nitrato de prata. Em uma sala escura, sobre uma cadeira colocou a câmera mirando uma janela com vidraça fechada.
Desta experiência com quatro horas de exposição foi realizada a primeira fotografia no Brasil: caixilhos, o teto duma casa fronteira e parte do céu.
O primeiro problema a se resolver era que as tonalidades estavam invertidas: o que teria de ser clara estava escuro e o que teria de ser escuro estava claro. Após lavar o papel para retirar o nitrato de prata, mas mesmo assim houve escurecimento das partes claras, mas jamais o bastante para fazer desaparecer o desenho.
            A segunda experiência narrada no manuscrito foi de fato a primeira a ser realizada e foi a que deu ensejo para o sucesso da experiência narrada acima. Florence havia preparado uma câmera obscura e exposta ao sol, embora os desenhos não se mostrassem bem delineados, a forma como a luz incidente nas aberturas da câmera tornaram negros o papel. Mas, à vista do papel enegrecido nos lugares em que o sol batera, nasceu-me a idéia seguinte, cujo resultado previ tão seguro quanto o foi, depois da experiência.
            Destas experiências surgiu a necessidade da busca por processos em que a imagem se fixasse e não ficassem com as cores invertidas.
Outra experiência executada por Florence foi realizada utilizando-se de um pedaço de caixilho na qual escureceu com uma candeia e escreveu a frase: Empresta-me teus divinos raios, ó divino sol. Colocou um pedaço de papel preparado e expôs ao sol e dentro de um minuto as palavras aí se fizeram visibilíssimas. Após este processo levou para lavar e retira o excesso de nitrato de prata, depois deixou por mais uma hora sob o sol, onde o papel adquiriu leve cor, porém mantendo a visibilidade da inscrição. Para finalizar esta experiência Florence queimou este papel para ver a ação do nitrato de prata sob o calor.
            O inventor comemorou o sucesso deste processo por considerá-lo simples e eficiente na qual poderia se imprimir em qualquer tamanho e com qualidade melhor que as gravuras que para ele eram as melhores maneiras de se reproduzir o belo. Por este processo, em caso de se desenhar com nanquim sobre vidro, poderá se tirar cópias igualmente cuidadosas: as sombras, os claros, os meios-claros serão tão bem misturados, e com intensidade tão bem proporcionadas entre tais cópias, como no original. Neste caso as cópias foram consideradas por ele como feitas em aguada. Um problema para este caso é que o artista tem de trabalhar os claros ao invés das sombras. A inversão do claro-escuro produzido pelo processo com o nitrato de prata é um problema que Hercules Florence não conseguiu resolver.
            Para baixar o custo do processo com nitrato de prata, Florence passou a misturar água em quantidade de forma que se dava a suficiente mudança de cor para o negro.
            Outra propriedade encontrada no nitrato de prata é que este colore o óleo de linho, que experimentou sobre uma placa de vidro. Em seus estudos considerou que este processo favorece enormemente a doutrina da reimpressão das gravuras e da multiplicação das pranchas matrizes.
            Em 1834, Florence já conhece bem as características do nitrato de prata e faz uma experiência com esta substância saturada de água aplicando-a em seda preta que colou com goma arábica sob desenho que fez em vidro coberto de uma camada de fuligem de goma. Ao colocar sob o sol, que ajudado pelo calor das substâncias e pelas características da seda preta e pela camada negra, a luz reduziu o nitrato de prata, de maneira que o desenho, na seda, se apresentou revestido de um azul metálico, não podendo negar, entretanto que ele não se fazia claro.
            Comemorou, contudo, o fato de começar a conseguir o efeito de branco, em vez de pardo.

ÁCIDO SULFUROSO
            Substância que embranquece pela ação da luz

            Hercules Florence em suas investigações químicas experimentou a reação do ácido sulforoso com óxido de prata, que se ligam facilmente, originando grãozinhos brilhantes semelhantes a pérola e de sua cor. O ácido sulfuroso precipita o nitrato de prata em pó branco, que também é um sulfito. Este resultado também é obtido misturando-se sulfito de amoníaco e nitrato de prata. Se em excesso o sulfito redissolve-se e forma um sal triplo, que pela ação do sol cobre de uma película branca.

SUB-MURIATO DE MERCÚRIO

            Este sal escurece sob ação da luz e, para Florence, é mais barato que o nitrato de prata.

FOSFÓRO[6]
Em suas pesquisas Florence constata que o fósforo perde o brilho e se torna branco sob água que não esteja inteiramente liberta de ar; a partir daí, cobre-se duma substância parda. É este substância a que menos oxida sob pequena quantidade de oxigênio, por isto deve-se utilizar água fervida e local escuro. Florence constatou que é fácil purificar de seu óxido o fósforo misturando-se à água; a temperatura de 37,78º, o óxido separa-se dele e vem à superfície.

NITRATO DE PRATA E NITRATO DE COBRE
Prova de achatamento foliáceo

            Experimentando colocar nitrato de prata onde havia nitrato de cobre sobre folha-de-flandres coberta com verniz pardo-amarelado brilhante que era de origem ignorada por Florence, este tomou aspecto de ramagem bem ordenada, cor de alvaiade.
            As ramagens brilhavam por nelas se verem o estanho. As pontas cercarem-se de uma substância cinzenta clara, lig verde, em formas de folhas, imitando as folhas das vinhas.

SULFATO DE BARITA

            Aquecida, esta substância emite uma luz azulada na escuridão. Para formar estas espécies de fósforo, pulveriza-se o espato e amassa-se esse pó em pó com mucilagem de goma adragante, formam-se pontas delgadas como lâminas de facas, que em seguia se fazem secar, calcinando-as fortemente,colocando-as, para tanto, no meio dos carvões; limpa-se logo após, soprando-se por cima; segue-se a exposição à luz, durante alguns minutos. Levado a um local escuro, esta substância brilha como brasas; brilham mesmo na água.
            Com o esfriamento esta substância perde o brilho, que se restitui ao se aquecê-la novamente.

NITRO-HIDROCLORATO DE OURO
Achado interessante

            Embora sem a plena convicção de que conseguira em suas proporções exatas, o pesquisador tentou fabricar nitro-hidroclorato de ouro, mas é certo que se atingiu o efeito. Ao misturar ácido nitrato e ácido muriático sem pesar as partes que, acreditava ele, deveriam ser iguais, conseguiu apenas preencher aproximadamente as condições requeridas. Nesta mistura dissolveu-se ouro, de forma que se pensou ter ficado saturada a água regulada.
            Com esta substância embebeu-se um papel de carta e a expôs ao sol cobrindo parte com um corpo opaco, nesta experiência obtêm-se o resultado encontrado nas experiências anteriores, ou seja a parte exposta escureceu.
            Para a parte que estava coberta Florence molhou o papel com urina e deixou por exposta por quinze minutos. Findo este processo cobriu com pano para absorver a superabundância do liquido, que podendo conter nitro-hidroclorato de ouro, talvez ficasse danoso. Em seguida expôs o papel por horas seguidas ao sol, sendo que a parte branca não se alterou, mesmo estando seco e sob o sol.
A experiência foi repetida sempre com o sucesso, mesmo não retirando o excesso de urina. Florence festejou este sucesso, pois segundo ele era o que buscava; e comparando com o nitrato de prata ficava evidente o sucesso, pois sob o sol esta substância sempre se enegrecia.
O inventor seguiu experimentando e seguiu este processo imprimindo em madeira todas as espécies de ornamento. Acreditava que esta maneira de se enfeitar os móveis gozaria de boa acolhida por parte do público.

ÁCIDO PRÚSSICO
Decompõe-se muito rapidamente, à ação da luz

Apenas em conjecturas, pois não experimentou, Hercules Florence deduziu que a partir do conhecimento sobre a forma que este ácido se decompõe, acreditava que se molhasse uma superfície branca com ácido prússico, colocando em uma câmera escura e deixando até se decompor as claridades seriam decompostas e, então o ácido perderia sua virtude, conforme o grau de claridade a que fosse exposto. Retira-se da câmera e coloque-se dissolução de ferro. Para Florence os objetos deveriam tingir-se de azul e forma fixa.

MURIÁTICO DE OURO
Escurece mais lentamente que o nitrato de prata

            Em experimentos Florence constatou a diferença de escurecimento entre o muriático de ouro e o nitrato de prata, por isto empreendeu pesquisas com esta substância fabricando com ouro em pó. Constatou que se o muriático for produzido com ouro puro fica muito saturado fazendo que escureça sob a luz mais rápido que quando produzido com ouro não puro.

ÁCIDO OXÁLICO
Um sal mais barato que o nitrato de prata

            Este ácido que foi experimentado com o mercúrio metálico e foi constato que ele apenas une com facilmente com o óxido de mercúrio, a qual é branqueado pelo contato. O oxalato de mercúrio é um pó branco, que escurece prontamente à luz.
            O ácido oxálico dissolve a prata em pequenas quantidades. Este ácido adicionado ao nitrato de prata obtém-se um precipitado branco, espesso, indissolúvel, de oxalato de prata. Pelos estudos de  Fourcroy, Florence sabia que todos oxálatos solúveis unidos à mesma dissolução de prata obtinha-se o mesmo precipitado, e este sal é alterabilíssimo pela ação da luz.

AMONÍACO
            A se misturar amoníaco em uma dissolução de mercúrio neutro, forma-se um precipitado cinzento azulado abundandíssimo, que exposto ao sol, se reduz, em parte mercúrio fluido e em parte também como pó cinzento[7].
            Pelas pesquisas do Sr. Vogel[8] ele conclui que: o fósforo, no amoníaco liquido, enegrece, sendo que a mudança é muito mais rápida quando exposta ao sol.

FINALIZAÇÃO DAS PESQUISAS

Quando soube das descobertas de Daguerre[9], Florence parou com suas pesquisas acerca da fotografia, sem resolver o problema da fixação da imagem e da inversão das cores, mas seu trabalho certamente tem enorme valor, ainda mais pelas condições de trabalho que se apresentava a ele, certamente precárias no ambiente longe das conquistas cientificas de sua época.
Vale citar que em 1835 Daguerre obteve êxito, seguindo os experimentos de Niépce[10], onde utilizando prata sensibilizada com iodeto de prata que descobriu que esta, após exposta à uma imagem, fora revelada pelo mercúrio. Este processo, contudo tinha de ter muito tempo de exposição, problema este que Daguerre solucionou em 1837 mergulhando as imagens em uma solução aquecida de sal de cozinha[11].
A questão da imagem surgir em negativo foi resolvida por Hippolyte Bayard[12] mergulhando a folha de papel em uma solução de cloreto de sódio que depois de seca era mergulhada em uma solução de nitrato de prata, depois exposta a vapores de iodo e vapores de mercúrio.[13]
Enquanto ainda fazia suas experiências, Hercules Florence considerava que somente os entendidos em arte da imprensa saberiam dar o devido valor as descobertas ainda insipientes, pois segundo ele, seria agradável imprimir em qualquer lugar. Considerava que o processo plenamente desenvolvido seria mais simples para aprendizado que os processos de gravuras conhecidos, apesar de se poder imprimir somente durante o dia e com tiragem morosa.
Em sua busca pelo realismo pictórico, o artista Florence, desenvolveu um trabalho único e invejável, mesmo não tendo chegado ao sucesso almejado no que tange à fotografia. Prejudicado em relação aos concorrentes que viviam na Europa, em particular na França, sua terra natal, por não possuir os mesmos recursos e conhecimentos disponibilizados em Paris, cidade agregadora e para onde sempre acabavam indo as novas descobertas, fossem de outras regiões do país ou mesmo de outros paises europeus, como Inglaterra e Alemanha, Florence teve de empreender um esforço muito além dos seus conterrâneos por viver em uma região provinciana e longe dos conhecimentos e técnicas contemporâneas.




[1] Todos os dados referentes a Florence tem como fonte a obra de Boris Kossoy,Hercules Florence: a descoberta isolada da fotografia no Brasil, em especial o anexo 2, o capítulo Livre d’Annotations et lê de Premiers Materiaux.
[2] Primeiras Pesquisa e Descoberta de Florence
[3] Referências Registradas por Florence Acerca de Sua Descoberta.
[4] Todas as palavras e frases em itálico deste capítulo foram retiradas do Livre d’ Annotations et de Premiers Matériaux – Primeiro livro de anotações de Hércules Florence
[5] Livre d’ Annotations et de Premiers Matériaux
[6] Hercules Florence utilizou-se de estudos de Antoine François de Fourcroy (1755 – 1809), químico francês
[7] Conceito conhecido pelo trabalho de Fourcroy
[8] Florence cita este Sr. Vogel como referência em pesquisa do Fósforo, mas não consegui dados bibliográficos sobre este pesquisador.
[9] Louis Jacques Mandé Daguerre (1787 – 1851) pintor e inventor francês.
[10] Joseph Nicéphore Niépce (1765 - 1833) inventor francês foi autor da primeira fotografia (1826), dissolvendo asfalto em óleo de lavanda e aplicando sobre uma liga de antimônio, estanho, cobre e chumbo) após prepara-la a expôs ao sol.
[11] Fonte: Site Slide Share (http://pt.slideshare.net/?ss).
[12] Hippolyte Bayard (1801 – 1887), inventor francês
[13] Fonte: Site Slide Share (http://pt.slideshare.net/?ss).


Bibliografia

KOSSOY, Boris. Hercules Florence, 1833: a invenção isolada da fotografia no Brasil. São Paulo. Livraria Duas Cidades, 1980.

(AEM, 2015)

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