Jacob Christoph Burckhardt (Basiléia, 25 de maio de
1818 — Basiléia, 8 de agosto de 1897) foi um historiador, filósofo da história
e da cultura.
I
O fato de na introdução de “Os Usos das imagens”, E.
H. Gombrich[1] (1909 –
2001), usar um pensamento de Jacob Burckhardt que foi narrado por Heinrich
Wölfflin[2]
(1864 – 1945) mostra, através desta forma de transmissão a força da influência
do historiador suíço sobre sua área de pesquisa, em particular no que se refere
à arte. Enfim, temos dois historiadores lembrando o legado e a própria forma de
trabalho dele; ou, o seu legado.
Nesta mesma introdução Gombrich analisa o fato como
o mestre suíço entendeu, em pleno século XIX a importância do mercado no
sistema de atuação dos artistas e da criação das artes[3];
fato este que denota a clara percepção e lucidez de Burckhardt. Mais a frente
na mesma introdução o historiador austríaco que faz uma previa da descrição do
que abordará na obra que apresenta, quando fala sobre o capítulo dois, diz que
seguirá mais de perto os passos de Burckhardt, sem é claro, querer competir
com o seu grandioso ensaio sobre retábulos...[4]
Eis aqui um testemunho de Gombrich ao trabalho e a capacidade do historiador
suíço.
O grande legado de Jacob Burckhardt, a arte como
tarefas, como ele próprio afirmou, teve sua contribuição junto à cultura do
Renascimento italiano, sendo inclusive a percepção deste período como época
histórica identificado com ele[5],
como afirma Cássio Fernandes na apresentação da obra “A História Pensada:
Teoria e método na historiografia européia do século XIX” de Burckhardt. E todo
este legado queria que fosse público, pois tinha a intenção, como se referiu
com relação à quatro manuscritos (O retábulo de altar; O retrato na pintura
italiana; Os colecionadores; As recordações sobre Rubens), de doá-los à
Biblioteca Pública da Basiléia, onde todos teriam a condição de ler e
consultar[6]. Esta junção
de pesquisa e disposição de passar o que havia desenvolvido em anos de viagens
através da Europa, principalmente pela Itália, mostra o caráter de formador do
suíço, que aliado a potência de suas conclusões criou uma escola de
arte-historiadores. Isto, mesmo pela discordância de Wölfflin, com relação à
forma como viam as obras de Michelângelo[7],
que de certa forma o excomungou da História da Arte durante o século XX,
Jacob Burckhardt conseguiu se manter fundamental na cátedra que ajudou a
consolidar, enfim, a cadeira de istória da Arte é tão necessária quanto
outra, a partir do instante em que se reconhece a importância da arte na
formação geral[8]. Até
porque um dos períodos mais importante da história humana, a Renascença, tem em
Burckhardt uma figura fundamental dentro do contexto de identificação deste período
como bloco unitário[9].
Mas uma obra desta magnitude, estudar e apresentar a
cultura renascentista, não poderia ser concluída sem muito esforço. E
Burckhardt sabia disto; e de fato em vida somente conseguiu concluir e ver
editada uma obra sobre a arquitetura do renascimento publicada em 1867 sob o
título “A arte do Renascimento”[10].
Parece que para o autor de “A História Pensada” a arte é um ente superior e ele
a define como uma maravilha, como um dom dos deuses e talvez este
ente que deve tocar a interioridade do ser merece todo esforço, mesmo
que seja o esforço de uma vida inteira. A arte deve ser pensada com
profundidade; poderá ser vista como mero deleite, mas antes deve se estar ante
ela com profundidade. Alguém que aprende o caminho de observar arte por uma
relação mais intima ... aprenderão sem livros a conversar com elas em uma
linguagem resolutamente individua[11].
Assim Burckhardt conduz seus trabalhos para produzir seu legado com pesquisa
fundamentada, dialética e até mesmo com poesia, como mostra algumas passagens.
II
Burckhardt legou uma vasta obra em livros, textos e
aulas. Criou a cátedra de História da Arte na Universidade da Basiléia em 1874,
onde foi professor por quase vinte anos, deixando apenas com a aposentadoria
aos setenta e cinco anos de idade, sendo substituído pelo ex-aluno Heinrich
Wölfflin.
Entre suas obras destacam-se, além da Arte do
Renascimento, já citada, A era de Constantino – O Grande
(1853), O Cicerone (1855), A cultura do Renascimento na Itália, o ensaio Os Colecionadores do
Renascimento, as obras criadas como cursos e foram publicadas
posteriormente Sobre o Estudo de História (1868-1869), História da
cultura grega (1872).
Além de historiador fundamental com relação à História da
Renascença, Burckhardt também estudou e ensinou a cultura grega, esta que
considerava chave para a compreensão do que ele mesmo denominava História da
Cultura[12].
Vale citar que na introdução de um dos cursos havia a presença de Friedrich
Nietszche (1944 - 1900).
Sobre a cultura grega escreve em a História Pensada: A
nossa tarefa, como nós a concebemos, é esta: fazer a história dos modos de
pensar e das concepções dos gregos e
indagar quais forças vitais, construtivas, agem na vida grega[13].
E quando iniciava os estudos sobre a cultura grega já sentia o chamado para a
História da Arte e foi nesta época que propõe a criação do curso na
Universidade da Basiléia de forma que trocava suas aulas Pädagogiun por aulas
de História da Arte, no que foi aceito e profere a aula inaugural em 06 de
maio de 1874[14].
Já neste principio o historiador suíço define os três
objetivos para a formação em História da arte que são: Reconhecer uma
autonomia ao estudo histórico do fenômeno artístico ...; conceber um método de
estudo que permita orientar o percurso em meio à profusão de obras e artistas;
desenvolver e refinar o conhecimento visual das obras de arte[15].
O criador da cátedra cria também o método; enfim, ele era provavelmente o único
que poderia fazê-lo desta forma. Tinha o conhecimento em História, a percepção
em arte e, sobretudo, a vontade de(o) fazer esta tarefa.
Burckhardt entende a obra de arte em duas vertentes:
como objeto artístico em si e como um “testemunho” do ambiente que a gerou.
O autor de A Arte do Renascimento[16]
aqui também percebe que uma obra de arte está além de si mesma; além do
próprio artista. Parece que Burckhardt entende uma obra de arte como a soma dos
esforços dos artistas com o momento e circunstância em que foi criada
somando-se a isto o desejo do comitente; portanto, vê a obra muito além dos
pincéis e das tintas, dos cinzéis e das pedras.
III
Jacob Burckhardt também desenvolveu um método de
apresentar a obra A pintura segundo os temas e as tarefas através do que
chamou de gêneros como função de uma obra de arte em relação a um
determinado contexto histórico cultural. Burckhardt dividiu as obras por
temas e as organizou em capítulos desta forma didática; um sistema de ordenação
que unia sincronia e diacronia[17].
Define a linha de tempo da cultura Renascimento como
iniciada no período da vida Dante Alighieri (séc XIII) e finda no época do
saque de Roma[18] (1527)
Já após a aposentadoria Burckhardt continua a
produzir e desenvolver métodos de estudos para a História da Arte. E nesta fase
que privilegia o conhecimento material das obras de arte, a maneira como
tinha sido criada, colecionada e avaliadas; entendia a obra de arte como
testemunho individualizado de um contexto histórico[19].
O autor tinha uma visão ampla que não queria perder nenhum aspecto das artes;
queria que seu legado fosse pleno. E certamente o foi.
Se não conseguiu em vida concluir seu desejo de
demonstrar plenamente a relação da arte e do artista com o comitente, relacionar
a obra de arte em si com o momento intelectual do Renascimento, foi, contudo,
“homenageado” por Aby Warburg[20]
que o enviou a sua tese sobre as obras de Sandro Botticelli (1445 - 1510), o Nascimento
de Vênus e Primavera, onde demonstrava a influência dos comitentes
sobre as obras, sendo estas uma soma de desejos e conhecimentos de forma a
definir como deveriam ser realizadas as obras. Não sendo, portanto, uma obra
totalmente de Botticelli, pois a parte intelectual, como o conhecimento
mitológico seria demonstrado por outra pessoa, não sendo uma criação,
propriamente dita do artista[21].
O historiado suíço, através da bibliografia de
Antonello de Messina mostra como os artistas influenciam-se. Pois, este
artistas nascido na Sicília, passou por Nápoles e Flandres antes de chegar em
Veneza e levar consigo influências, sobretudo da arte do retrato flamengo; em
Flandres aprendeu a pintura a óleo. Foi na arte veneziana que Burckhardt
identificou o retrato de gênero (fusão entre o retrato e a pintura de gênero)[22].
Pode-se notar, mesmo por um estudo pequeno sobre
História da Arte o quanto Jacob Burckhardt foi um autor, pesquisador e pensador
fundamental nesta matéria. Embora tenha centrado suas pesquisas na Renascença
deixou uma escola, que por si só já seria legado imenso, mas não se pode deixar
de mencionar seus esforços como pesquisador sobre todos os aspectos em torno
das arte; uma visão que ia além da obra e do artista e chegava ao meio
intelectual para usar em seus argumentos. Era o médium social, poético e
humanístico[23] que
fora realizado por Warburg.
Bibliografia
BURCKHARDT, Jacob C. – A História pensada – Teoria e
Método na historiografia Européia do século XIX; Organização de Estevão de
Resende Martins; Editora Contexto.
BURCKHARDT, Jacob C – O retrato na Pintura Italiana.
Tradução de Cássio Fernandes; Editora
Unicamp;
GOMBRICH, E. H. - O uso das
imagens: Estudo sobre a Função Social da Arte e das Comunicação Visual.
Tradução: Ana Carolina Freire de Azevedo e Alexandre Salvaterra. Bookman. 2012
Notas
[1] GOMBRICH, E.
H. - O uso das imagens: Estudo sobre a Função Social da Arte e das Comunicação
Visual. Introdução.
[2] Wölfflin , Heinrich (Winterthur, Suíça,
21 de junho de 1864 - Zurique, 19 de julho de 1945). Escritor, filósofo,
crítico e historiador da arte.
[3] Idem a nota
1
[4] Ibidem
[5] BURCKHARDT,
Jacob C. – A História pensada. – Apresentação por Cássio da Silva Fernandes.
[6] BURCKHARDT,
Jacob C – O retrato na Pintura Italiana. Prefácio à edição brasileira. Maurizio
Ghelardi.
[7] BURCKHARDT,
Jacob C. – A História pensada. – Apresentação por Cássio da Silva Fernandes.
Wölfflin tinha uma visão diferente de Burckhardt quanto a obra de Michelangelo
o que, provavelmente o levou a diminuir a importância do trabalho de seu
mestre. Wölfflin disse da publicação dos escritos da última fase do mestre que
“essas publicações póstumas foram recebidas com o devido respeito, ainda que no
fundo tenham causada certa decepção”. Isto declaração
[8] BURCKHARDT,
Jacob C. – A História pensada – Sobre a História da Arte como objeto de uma
cátedra acadêmica (1874).
[9] Idem a nota
5.
[10] Ibidem a
nota 5.
[11] Ibidem
[12] Ibidem s
nota 5.
[13] Ibidem
[14] Ibidem
[15] Ibidem
[16] Ibidem
[17] BURCKHARDT,
Jacob C – O retrato na Pintura Italiana – Apresentação: O lugar de O Retrato
na pintura italiana do Renascimento na obra de Jacob Burckhardt – Cássio
Fernandes.
[18] Saque de
Roma, ocorrido em 06 de maio de 1527, foi um evento militar realizado na cidade
de Roma, então parte do Estados Pontifícios pelas tropas rebeldes de Carlos V,
imperador do Sacro Império Romano-Germânico.
[19] Ibidem
[20] WARBURG, Aby Warburg Abraham
Moritz. (Hamburgo, 13 de junho de 1866 — 26 de outubro, 1929)
historiador da arte. Criador da Biblioteca Warburg, atualmente sediada em
Londres.
[21] Ibidem
[22] Ibidem
[23] Ibidem
(AEM, 2014)
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