quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

EXPRESSIONISMO - MUNCH E XILOGRAVURA


Edvard Munch

O Grito – 1893
Edvard Munch
Óleo s/ Tela

Nascido como forma de “contestar” o impressionismo, o expressionismo vem como uma antítese daquele. Se a impressão surge da natureza exterior para a natureza interior do artista, a expressão tem o caráter inverso: surge do intimo do artista que lança em suas obras suas angústias, paixões, dúvidas e tudo o que sente. O movimento foi assim denominado por Herwarth Walden[1] no início do século XX na Alemanha, quando já estava estabelecido pelo grupo Die Brüke.
Talvez não seja por mera coincidência que os principais artistas que deram origem ao movimento tenham tido personalidades complexas e até mesmos perturbadas. Se os principais expoentes revolucionários impressionistas eram lúcidos e queriam capturar o momento, a luz, os artistas que superaram a impressão e tornaram a arte como o sendo algo surgido de seu próprio íntimo em uma subjetividade eram personalidades complexas; artistas como o holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) e o norueguês Edvard Munch (Loten , Noruega, 12 de dezembro 1863 – Skoyen, Noruega, 23 de janeiro de 1944), tiveram em suas vidas fatos dramáticos, tendo estes dois, inclusive, que passarem por clínicas para tratamentos psicológicos.
Se para Van Gogh o reconhecimento somente veio após a morte, Munch que também não teve sua arte compreendida de início, pode desfrutar, mais tarde, de fama e ver sua obra influenciar outras artistas, sobretudo na Alemanha. Munch desde cedo teve de conviver com a morte (perdeu a mãe quando tinha cinco anos e ao quinze anos perde uma das irmãs). Este quadro de angústias e perdas talvez tenha sido o mote principal de suas obras que aliadas a sua técnica, certamente não agradava ao público da época.
Como exemplo destas passagens trágicas, obras como Mocinha Doente (1885/1886), Puberdade (1895) e a icônica O Grito (1893)[2], mostram como ele traduzia para as telas de forma perturbadora suas dores e preocupações, angústias e frustrações que seriam em poucos anos a influência de uma nova geração de artistas alemães.
O expressionismo teve somente um manifesto, porém voltado para a literatura, talvez até pela característica intimista do movimento ou pela forma de transgressão contra o Impressionismo, os integrantes ocuparam-se mais em produzir uma obra contestadora  como manifesto. Se assim for, antes mesmo da formação dos grupos alemães uma obra já havia sido um manifesto, esta obra não é outra senão O Grito; esta obra é um manifesto da própria alma de Munch para o mundo que ainda ecoa sobre a história em tentativa de fazer sucumbir, ou trazer à tona, as angústias e medos que nos assolam.
Outra influência, e causa de perseguição e crítica de sua obra, foi o fato dele ser integrante da Boêmia de Cristiania, grupo de artistas e poetas da cidade de Cristiania (atual Oslo) que era discriminada e combatida.
Em 1885 faz sua primeira viagem para Paris, onde entra em contato com o impressionismo e com o pós-impressionismo através de visitas a exposições e museus,  e sente-se influenciado particularmente por Van Gogh, Gauguin e Toulouse-Lautrec. Contudo seu trabalho não tem a receptividade desejada em Paris.
A partir de 1892 começa a pintar a série o Friso da Vida que será sua redenção e de onde começara a obter reconhecimento, indo participar de exposições em Berlim a convite de artistas locais e se integra a intelectualidade da época. A princípio suas obras causam polêmicas, mas com o tempo passam a serem aceitas e admiradas.
Em 1908, de volta a Noruega, sofre colapso nervoso devido às tensões e tem de ser internado. Assim que restabelecido recebe convite para pintar os murais do Salão da Universidade de Oslo.
A partir de 1910 passa a viver isolado no interior da Noruega. Em 1937 suas obras, assim como outras sessenta mil, são consideradas arte degenerada pelos nazistas e vendidas. Com a dominação alemã durante a segunda guerra sobre a Noruega o governo local cedeu e passou a colaborar com o nazismo e criou o Conselho Honorário de Arte na qual Munch é convidado a participar, mas este se nega a fazer parte. Morre sozinho na cidade de Skoyen deixando um grande e influente legado para a história da Arte Moderna.

 Xilogravura

O Grito[3], 1895
Edvard Munch
Xilogravura

A Xilogravura, conhecida a mais de mil e quinhentos anos pelos chineses, foi o primeiro meio de reprodução da Humanidade. E ao longo da história se disseminou pelo mundo. Na Europa começou a impressão sobre papel entre os séculos XIV e XV, sendo que os primeiros livros impressos foram através desta técnica. A partir da invenção da imprensa a técnica de Xilogravura passou a ser utilizada como ilustrações das obras. Um dos grandes artistas desta época a trabalhar com esta técnica foi Albrecht Dürer (1471 – 1528). Mas o artista, a quem era atribuído a autoria fazia somente o desenho deixando o entalhe a cargo de artesãos.
Outra escola importante de xilogravura é a japonesa, esta que com suas cores e detalhes influenciou muito os artistas europeus do fim do século XIX.
Mas devido aos avanços técnicos e outras formas de gravação, como a gravura em metal e a litografia, a xilogravura perdeu espaço. Porém, como sua característica pode dar uma “tensão” ao trabalho, esta técnica foi largamente utilizada por Munch e pelos expressionistas alemães que a colocaram em destaque na história da arte do século XX.

A Expressão alemã

As pessoas, 1923
Kathe Kollwitz
Xilogravura

Se o grupo dos fauves foram superados pelo cubismo e os artistas franceses partiram para outros caminhos, o mesmo não aconteceu com a arte da expressão na Alemanha. Sentindo pouca influência do impressionismo por ter uma sociedade mais conservadora os alemães viviam uma situação confusa: para alem do raso naturalismo acadêmico... e pelos ... pálidos reflexos do Impressionismo francês se mesclavam às veleidades simbólicas e pré-expressionista da Secessão de Munique[4].
A partir daí é criada o grupo Die Brüke (A Ponte) por jovens artistas na cidade de Dresden que tem como destaques Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938), Emil Nolde (1867-1956) , Erich Heckel (1883-1930) e Karl Schmidt-Rottluff (1884-1976). O grupo propõe uma arte anteimpressionista utilizando-se de elementos revolucionários e em efervescência.
A arte surgida deste movimento traz elementos quase anteartísticos, como desenhos primários. Traz a vida cotidiana, sempre se mostrando incômodo, de indisfarçada rudeza.
Os expressionistas não se apegavam às técnicas como se fazia até então na história da arte, mas antes era a captação de seu momento que era lançada na obra. Se o impressionista buscava a luz, o expressionista buscava a própria alma e queria revelá-la. Neste contexto uma arte que se revestia de preto era o pleno antagonismo das cores impressionistas. Era o inverso de Monet que não utilizava a cor preta, pois dizia que na natureza não existia esta cor, ou esta ausência de cor; era (e ainda é) a xilogravura apenas em sua cor primária (preta) que mais se prestava à expressão. O entalhe na madeira, em desenhos muitas vezes deformes, aliada ao contraste preto-branco era a antítese de tudo o que já fora feita nas artes.
Mesmo na história da xilogravura nada havia sido feito antes. Trabalhava-se em um contraste radical, por exemplo, se comparados com os desenhos magníficos de Dürer ou com as gravuras japonesas em todo seu colorido. Era uma arte nova recriada pelo modo de(o) fazer.
Outro aspecto da xilogravura é ser um misto de arte e artesanato. Se antes os artistas apenas desenhavam deixando o entalhe para os artesãos, agora os artistas faziam todo o processo. Assim, o desenho que já trazia sua expressão ganhava em força através do entalhe que também pode “interferir” no resultado final.
As questões sociais em uma Alemanha entre guerras com a ascensão nazista eram os temas preferidos dos artistas gravadores em suas obras. Além dos artistas que formaram o grupo Die Brüke, posteriormente o movimento da gravura expressionista cresceu ganhando novos adeptos, como a artista Kathe Kollwitz (1867-1945) que se aprofundou nas questões sociais de sua época e direcionou sua obra para este contexto deixando um legado marcante retratando operários, fome e todas as mazelas sociais de uma Alemanha que saíra de uma guerra e que se preparava para outra. Além da foto em destaque acima, pode se citar Os Voluntários (1923), A Mãe (1923), Memorial para Karl Liebknecht (1919), etc.        

Brasil


Briga de Rua – 1930
Oswaldo Goeldi
Xilogravura

A arte expressionista teve sua fase no Brasil com artistas como Lasar Segal (1881 - 1957) artista russo que viveu em Berlim, onde provavelmente teve contato com a arte da expressão. Anita Malfatti (1889 - 1964) foi outra representante deste movimento no Brasil, que aliás, assim como Munch não foi aceita de imediato, sendo duramente criticada por Monteiro Lobato. Outro artista brasileiro de destaque que passou pelo movimento foi Candido Portinari (1903 – 1962).
            Na arte gráfica da xilogravura o grande nome brasileiro e um dos mais influente artista nacional foi Oswaldo Goeldi (1895 - 1961), desenhista, ilustrador e gravador. Filho de um cientista suíço, Goeldi nasceu no Rio de Janeiro no dia 31 de outubro. Com apenas um ano de vida sua família muda-se para Belém/PA; em 1905 seguem para Suíça. Goeldi após tentar e desistir de carreiras acadêmicas passa a frequentar ateliês suíços em 1917. Conhece a obra do ilustrador expressionista austríaco Alfred Kubin (1877 – 1959) a qual se torna sua grande influencia e passa a se corresponder com o artista.
Em 1919 retorna para o Rio de Janeiro e começa a fazer ilustrações que serão seu principal meio de vida. Em 1923 começa a trabalhar com xilogravura após conhecer Ricardo Bampi, que o iniciou na técnica. Torna-se conhecido e quando lança sua obra Dez Gravuras tem introdução do poeta Manoel Bandeira.
Faz ilustrações para várias obras e jornais. Destaque para as ilustrações das traduções das obras de Dostoievski.
Porém sua grande marca é a xilogravura intimista, onde retrata a cidade em solidão como reflexo dele mesmo. Sempre as pessoas caminham sós; a cidade é violenta e amedronta; miseráveis dormem nas ruas. Suas gravuras, mesmo quando recebem cores, não se tornam alegres, aliás, as cores somente ressaltam ainda mais a solidão, como um guarda-chuva levado por uma pessoa solitária; ou um sol que não ilumina.
Corvos e cachorros famintos tomam a cidade; violência nas brigas de ruas e com os ladrões sempre a espreita. Enfim um mundo negro e assustador, mesmo em uma cidade tropical onde tantos artistas se encantaram pelas luzes e pelas cores.
Oswaldo Goeldi deixou alguns auto-retratos que muito lembram os expressionistas alemães.

Finalizando

De Van Gogh e Edvard Munch a Oswaldo Goeldi o movimento expressionista parece ter sempre levado, principalmente com seus maiores expoentes, a mesma trama de solidão, desilusão e angústias íntimas. Passou ainda pelos questionamentos sociais com toda energia que deve ser produzida por artistas, que até podem ser considerados ativistas (um anacronismo válido), como Kathe Kollwitz e suas séries de gravuras sobre operários e a guerra.
Talvez o expressionismo tenha relegado a beleza plástica do impressionismo, mas é certo que levou como virtude algo mais forte até que as cores da primeira revolução da arte, que foi a paixão represada em seus expoentes que se mostravam sem culpas em suas obras. Não que os impressionistas não fossem também às últimas consequências por sua arte, mas estes parecem ter perdido suas raízes primeiras quando foram reconhecidos como grandes artistas e criadores da arte moderna.
O expressionismo também se diferenciou da arte da expressão francesa (o fauvismo) que bateu em retirada ante o primeiro revés, pois os alemães seguiram e foram até as portas dos nazistas, até serem “vencidos” por estes, mas jamais perdendo suas essências mais profundas; suas próprias almas desejosas de se mostrarem.
  
Bibliografia

Argan, Júlio Carlo. Arte Moderna, Companhia das Letras, 1988.
Enciclopédia Gênios da Pintura
Costella, Antonio F. Breve História Ilustrada da Xilogravura, Campos do Jordão, Editora Mantiqueira, 2003.
Rufinoni, Priscila Rossinete. Oswaldo Goeldi, iluminação e ilustração. São Paulo, Cosac Naify e FAPESP, 2006
  
Notas


[1] Herwarth Walden (1878 - 1941 ) poeta e editor da revista Der Sturm.
[2] Todas as obras citadas pertencem ao acervo do Museu Nasjonalgalleriet – Oslo, Noruega
[3] Museu Nasjonalgalleriet – Oslo, Noruega
[4] Argan, Júli Carlo. Arte Moderna, Companhia das Letras, 1988.

(AEM, 2015)

Nenhum comentário:

Postar um comentário