quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

ARTE E MODERNIDADE

    Enquanto Monet e Renoir miravam os banhistas e as frugalidades de La Grenouillère[1] figura 1, embora, estivessem buscando novos aspectos da vida moderna, Pissarro, no mesmo local e na mesma época voltava-se para uma fábrica e para o trabalhador. Nos fins dos anos sessenta do século XIX os artistas começam a criar e buscar uma nova era também para arte. Fossem buscando as diversões ou o cotidiano que já se apresentava com fábricas nos cenários dos pintores, o mundo novo, mundo da revolução industrial e cultural, se apresentava para os artistas que se envolveriam cada vez mais com as coisas de seu tempo, tanto retratando, quanto fazendo uso ou questionando este mundo que emergia.
Figura 1

            Naquela era de mudanças tão marcantes, tivemos no ano de 1889 em Paris a Exposição Universal, para qual os franceses inauguram a Torre Eiffel como grande marco da cidade para mostra, que se tornou a mais alta estrutura construída pelo Homem até então. Concebida também com a ideia de homenagear o centenário da Revolução Francesa e com o intuito de demonstrar a capacidade técnica de criar e construir da era moderna a obra que havia sido projetada para ser demolida em poucos anos acabou sobrevivendo para abrigar antenas de rádio, outra maravilha da tecnologia do final do século XIX.
            A obra, imaginada pelo engenheiro e designer Gustave Eiffel construído em uma era de plena revolução cultural, acabou por se tornar o principal símbolo de Paris, cidade centro da cultura, que, já há muito tempo criava e recebia tudo o que havia de novo. Para lá convergia artistas, escritores e pensadores de todas as partes.
            A Torre de Eiffel, pode ser considerado um selo para finalizar o século que abrigou o avanço maior da Revolução Industrial. Com esta revolução que levou a novos métodos de criar e realizar. A torre é um exemplo nítido deste processo. Processo este que se inicia com o desenvolvimento de outra arte que se firmava com a crescente industrialização: o design.
A revolução industrial teve profundo impacto no design; e este impacto foi de mão dupla, pois se de um lado o design levava facilidades ao processo fabril, por outro os processos em si levaram desenvolvimento a esta arte e aos designers; foi a partir deste que máquinas e suas partes e objetos foram padronizados. Além do padrão, tanto nos produtos, quanto nos métodos de produzir levou ao aumento cada vez maior da produção e com isto todas as consequências positiva e negativas que vem deste processo.
A produção e a padronização levaram ao aumento da oferta de produtos que exigiam consumo; aqui também uma via mão de dupla.
Se Monet, Renoir e Pissarro algumas décadas antes da virada para o novo século já se ocupavam com novos processos de vida, é certo que os artistas que se seguiram aprofundaram estas questões. No final do século XIX e início do XX tivemos muitos artistas que captaram este momento e levaram à sua obra, seja como forma estética, ou como forma de reflexão as conquistas do mundo novo. Produtos de designer acabaram por até mesmo se tornarem obras de arte.
Além da fotografia e do cinema, que iniciava sua caminhada que o levaria a se transformar na arte mais popular do século, as artes tradicionais captariam e registrariam as novidades a seu modo; indo até ao ponto de se recriar.
Figura 2
Elemento Mecânico, 1924
Fernand Léger
Fernand Léger é um artista que captou em sua obra a nova fase da Humanidade. Fosse por produzir uma obra que caracterizava o que poderia se chamar de moderno, seja por criar obras, em seu cubismo bem peculiar, que traziam representações de máquinas que  mais se aproximam da abstração; a obra Elemento mecânico de 1924 (figura 2) retrata este lado do artista. Léger, após a primeira guerra, na qual lutou, foi influenciado pelas máquinas utilizadas nas batalhas, fossem carros ou tanques, e levaria à sua obra, após o término das lutas, estas influências referente à tecnologia mecânica. O artista também se embrenhou na nova arte, o cinema, e dirigiu o filme Ballet Mecânico (1924). O título do filme que mostra o fascínio do artista pela modernidade é uma obra de caráter surrealista, embora Léger, com suas pinturas, não tenha sido considerado um exemplo deste estilo.
O cinema também foi pesquisa de Duchamp que realizou em 1926 o filme Anemic Cinema. Porém, Duchamp, anos antes já havia se destacado por outra via, pois vem na outra mão e traz para a arte novos elementos, tornando o urinol, um aparelho impensado como produto de arte, célebre ao levá-lo do design moderno a uma exposição onde questionava o próprio sentido de arte. A Fonte (1917), obra ícone que deu origem ao que o artista denominaria Ready Made, eleva o diálogo iniciado pelo dadaísmo a outras questões. Surge a partir de então uma nova forma de ver a própria arte. Certo que o urinol é um produto do design, mas a ideia de Duchamp abria um campo sem limites; assim décadas depois da Fonte, Nelson Leirner expõe no 4º Salão Nacional de Brasília a obra O Porco (1967) – um porco empalhado dentro de um engradado.
Mas antes mesmo de A Fonte, Duchamp já utilizara outros objetos em suas obras, como em A Roda de Bicicleta (1917) (imagem 3) e Porta Garrafas (1916). Design novos para funcionalidades em nova apresentação, como objeto de ver.
Imagem 3

A Roda de Bicicleta , 1917
Marcel Duchamp

Outro artista que busca pela inquietação do mundo moderno é Francis Picabia, que navegou entre o cubismo, dadaísmo e surrealismo. Ajudou a fundar o dadaísmo no EUA Editou revista em Barcelona sobre o movimento Dadá.
Assim como Léger, Picabia interessou pelos novos sistemas mecânicos, mas que poderiam ser ditos antimáquinas, como engrenagens que retratou em várias obras, que  como exemplo pode se citar Machine Turn Quickly, 1916-1918 (imagem 4).

Imagem 4
Machine Turn Quickly, 1916-1918
Francis Picabia

Man Ray, americano que se associa ao movimento surrealista, além da fotografia que o evidencia pelas experiências com esta arte, também produziu filme (L'Étoile de Mer – 1928). Este ciclo de artistas, sobretudo os surrealistas, foram fundamentais para o surgimento da arte contemporânea apontando infinitas possibilidades.
A partir destes processos e visões, onde tudo é possível surge Kurt Schwitters, que passa a fazer colagens utilizando tudo o que encontra. Schwitters começa em 1923 um grande projeto em sua própria casa, que chama de Merzbau (Casa Merz) (imagem 5) que consiste em ir fazendo todo tipo de intervenções ocupando todo o espaço. Fazendo colagens ou colocando objetos nos espaços possíveis a obra vai crescendo como um ser orgânico, que jamais será terminado. O projeto do artista foi inspiração para o sentido de instalação como arte. Durante a segunda guerra a casa de Schwitters foi destruída.
Sejam explorando novas técnicas ou utilizando os novos meios, a arte se reinventou tanto por assimilar a tecnologia nascente ou por questionar os novos meio de vida. Dos tempos em que os impressionistas começaram a captar o mundo moderno aos tempos em que se começava a revolucionar a própria modernidade com os surrealistas e dadaístas os artistas mantiveram forte diálogo com a tecnologia.
Acostumados a trabalhar com as sensações e sentimentos os novos artistas passaram a pensar uma nova cultura. Um passo enorme se deu desde o iniciou com Pissarro mirando as fábricas ao invés da frugalidade ao tempo em que Léger, Duchamp, Picabia e Man Ray, entre outros, olham para tudo e a tudo vêem como arte ou como não arte em um questionamento amplo sobre o novo mundo e a nova cultura. No início do século, Kurt Schwitters, mais que qualquer outro artista, tenta olhar para dentro de si mesmo e produzir uma obra que antes de representar um novo mundo, talvez seja a representa dele mesmo na busca por se encontrar e se reconstruir.
Imagem 5
Merzbau (detalhe) – 1923 - 1943
Kurt Schwitters

A arte da virada do século apontava para uma nova forma que ultrapassaria em muito as tradições; além das novas técnicas e de um mundo em constante transformação que levou a Humanidade a novas questões, tais como pensar a arte e a própria vida. As inovações tecnológicas em todas as áreas, desde o design de sanitários ao tanque de guerra, passando pela fotografia e o cinema, tudo parece ter se tornado complexo, tornando complexo o próprio cotidiano, suscitando por isto novos questionamentos. Daí entender o insulamento de Kurt Schwitters e sua busca por se fechar e produzir algo que talvez fosse uma própria forma de autoentendimento ou quem sabe uma forma de se expressar e libertar a opressão que surge nas eras de profundas transformações; semelhante ao que vivemos hoje.



[1]     No ano de 1869 Monet (Banhista de Grenouillière), Renoir (La Grenouillière) e Pissarro (La Grenouillère em Bougival) produziram uma série de obra em uma localidade francesa chamada Grenouillière.

(AEM, 2016)

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