quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

RETRATO ROMANO


Embora a arte romana, sobretudo o retrato, tenha sofrido influências de quatro correntes que, segundo Bianchi Bandinelli[1], são os de ascendência médio-itálica, o retrato de ascendência patrícia, o retrato helenístico e o retrato médio-itálico com influência helenística, há um predomínio da influência grega, até porque como afirma Bandinelli há uma corrente médio-itálica que também deriva do retrato grego; aliás, este é mais um capítulo da forte presença da cultura grega sobre a romana. Mesmo no período republicano quando se desenvolveu o retrato patrício, este era feito por artistas de educação grega[2].

O retrato realista somente surgiu entre os etruscos e na média Itália após já estar consolidado na Grécia, ou seja, isto também é mais um fator que demonstra que os gregos estão mais evoluídos que os demais povos da península italiana.

E desta mistura com predomínio grego, principalmente do realismo, surgirá como uma variante deste, o retrato de identidade romana, a partir do período da ditadura de Silas (82-79 aC).
O inicio deste período pode ser identificado, segundo Bandinelli, pelas moedas onde foi colocado o retrato de Júlio César (100 – 44 aC), sendo este o primeiro a infringir a lei que não consentia que fossem colocadas imagens de pessoas vivas em moedas[3]. Posteriormente Otavio foi autorizado pelo senado a fazer o mesmo.

Nesta época a província da Ásia Menor estava sob forte crise e seus artífices emigraram para Roma, a mais próspera cidade, e certamente foram responsáveis pelos retratos realistas.
  
Característica do retrato romano
Bandinelli afirma que o retrato romano caracteriza, sobretudo pelo minucioso realismo, que ama descrever as minúcias das epidermes, quase como se se tratasse de um relevo geográfico[4]. Neste contexto Jocelyn M. C. Toynbee escreve em A Arte dos Romanos que floresceu cerca de 75-65, um grupo de retratos esculpidos em que o realismo helenístico atingiu sob os auspícios romanos aquele máximo de desenvolvimento a que tem aplicado a denominação de “verismo”.

As esculturas romanas, além do realismo, parecem ter ainda a finalidade de elevar uma condição psicológica do retratado, onde são exaltadas as características de castas, históricas, posição social e outras que denotam que o retratado tem méritos superiores ao mundano, isto faz Bandinelli expressar: O retrato romano do século I a.C. não pode pois, absolutamente, ser compreendido todo sob uma única etiqueta ou uma só definição.  A base de uma pesquisa comum de realismo tem um fundamento antes ideológico do que artístico...

O retrato romano é, antes de tudo, uma forma de afirmação, de difusão pessoal, de perpetuação, seja nas sendas da política, seja na doméstica, onde os patrícios cultuavam seus antepassados e suas histórias, até como documento para avalizar a casa onde estão expostas. O retrato realista esculpido satisfazia uma especial necessidade psicológica e social[5].

Uma característica importante se verificou nas esculturas de Augusto em que há uma mescla entre o idealismo helênico e a individualização das feições[6].  Ou seja, era a busca das feições e características próprias do imperador com o ideal criado na arte, na filosofia e nos mitos gregos. Mais uma vez se verifica a influência da cultura grega sobre a romana.

 Relações do retrato romano com o retrato grego.
Os gregos esculpiram seus retratos com o intuito político-social, diferente dos romanos que levaram, além da esfera pública, para a vida provada. Este retrato romano, que penetrou por todas as os âmbitos patrícios, como já visto acima, é uma variação do retrato grego, da qual sofreu forte influência. Na escultura uma das marcas que se desenvolveu em Roma foi o surgimento dos bustos, algo não admitido entre os gregos que apenas concebiam suas obras de corpo inteiro, sem “mutilações”.

Outra diferença foi a arte do retrato ser levada ao máximo do realismo em Roma, embora estes tenham sido iniciados com artistas grego, sobretudo após o fim da república romana; mas conceber minúcias de grande realismo é um legado vindo do médio-itálico-helenístico.

Diferentemente dos gregos, os romanos sofreram várias influencias, e desenvolveram suas obras em uma mescla destas, embora a arte grega, tanto pelas obras conhecidas e apreciadas pelos romanos, tanto pelos artistas que emigraram para Roma, ajudou a moldar a arte romana com mais intensidade, sendo esta como uma herdeira daquela, levando, contudo a arte da escultura a um classicismo refinado e plástico[7].

A nudez, marca das esculturas gregas não foi seguida em Roma que produziu os retratos com os trajes que definiam também a condição político-social do retratado. Assim como as couraças dos soldados como afirma Plínio, embora este, segundo Bandinelli[8], cometesse um anacronismo quando tratou do assunto, mas não se pode negar que a arte romana seguiu este conceito.

Relação do retrato com a política, sociedade e cultura
 O retrato na sociedade romana teve um papel importante pois, acima de tudo, foi um veículo de propagação e de “eternização” de imperadores, cônsules, senadores e de demais patrícios ricos e influentes.

A própria dimensão que tomou a questão do retrato para os romanos já nos dá uma noção de suas condições, pois este legado diz, mesmo para nós, a força daquela sociedade que se desenvolveu e que dominou o mundo conhecido à época. Isto colocado em seu próprio tempo ante seus inimigos faz parecer algo grandioso e que deve ser admirado e temido. Estátuas e moedas romanas com imagens de seus imperadores, divinizados, que somados pelo ideal helenístico com o realismo romano em suas efígies davam a medida de seu poder de penetração em todo império.

Mas o retrato tinha também um caráter doméstico no culto familiar. Uma casa decorada com estátuas onde se representam os antepassados mostrava uma família de tradição; uma família “venerável”. Entre as famílias ricas os mortos tinhas suas tumbas decoradas com seus retratos.
O retrato tinha ainda o intuito de mostrar, através dos detalhes quem era o retratado: vestes, penteado, modo de se representar dizia muito da personalidade e a origem, mesmo não se sabendo quem era de fato o(a) retratado(a).

Conclusão
            A arte do retrato em Roma foi muito desenvolvida, até pela mescla de influências que, embora a arte grega tenha sido a mais marcante. Mas tem-se que dar ênfase a influencia médio-itálica pela forma realista dos retratos, sobretudo a partir da era de Júlio César, o que deu a este a possibilidade de fazer produzir moedas com sua imagem.

            Através da história foi comum em todos os povos produzir arte como monumento e documento dos reis e imperadores de forma a se firmar em uma natureza superior ante os súditos. Mas entre os romanos este estratagema foi levado à perfeição com seus imperadores e governadores sendo representado em majestade e detalhes pelos artistas.

            Mas como Roma se tornou uma cidade muito poderosa e rica, este privilégio não ficou apenas com os imperadores, tendo seus mais nobres cidadãos também desfrutado desta aura de endeusamento e sobrevida, sendo alguns deles chegados até nosso tempo.

            Fator importante a salientar é que este interesse romano pela arte e cultura grega foi importante para que se mantivesse viva a arte clássica helena, até pelas muitas cópias feitas pelos romanos das estatuas gregas. Enfim, sejam produzidas por artistas gregos ou romanos a arte grego-romana foi a base da arte ocidental, sendo esta a fonte para o Renascimento na Idade Média, que se desenvolveu sobre seus pilares, onde se mesclou em princípio o paganismo e o cristianismo, até a influencia dos mitos perderem sua força pela ação da igreja, mas a essência da arte se mantém viva e vibrante desde aqueles dias de Silas, Júlio César e Augusto até o hoje.



[1] Bandinelli, Ranuccio B. - O relevo honorífico e o retrato.
[2] Bandinelli, Ranuccio B. – Idem
[3] Bandinelli, Ranuccio B.  – Ibid
[4] Bandinelli, Ranuccio B.  – Ibid
[5] Toynbee, Jocelyn M. C. – A arte dos romanos
[6] Toynbee, Jocelyn M. C – Idem
[7] Toynbee, Jocelyn M. C. – Ibid página 2
[8] Bandinelli, Ranuccio B.  – Ibid página 1

(AEM, 2015)

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