quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

TEATRO PADRE BENTO - ARQUITETURA E HISTÓRIA


TEATRO

Rua Francisco Foot, s/n – Gopoúva  - Guarulhos/SP

            Com obras concluídas em 1937, com recursos da Caixa Beneficente e mão-de-obra dos internos, o Clube Padre Bento foi concebido com o intuito de dar vida social aos internos do sanatório localizado no bairro de Gopoúva em Guarulhos que para lá eram levados compulsoriamente. Construído em art déco, com projeto assinado pelo engenheiro Francisco de Palma Travassos, o edifício abrigava cinema, cassino, bar, salão de baile e biblioteca. Quando de sua inauguração, este espaço era comparados aos mais luxuosos de São Paulo, não havia nada igual para população da cidade que lhe era sede, muito provinciana e que, naquele tempo, era considerada muito distante do centro de São Paulo, esta uma das razões de implantar nesta região um leprosário.

            O Clube era luxuoso: seu hall de entrada e a escadaria de acesso ao salão eram revestidos com granito; o salão em seus trezentos metros quadrados, onde eram realizados os bailes dos internos, que eram animados pelas melhores orquestras de São Paulo, era revestido por belíssimo assoalho e iluminados por candelabros, possivelmente de cristal; o salão possui amplas janelas e três sacadas. O cinema, que ficava no piso térreo, possuía quatrocentos lugares.
            Como destaque, devido à proibição radical de contatos com os internos por não doentes, havia uma tribuna, cujo acesso era pela lateral do Clube; lá era onde as orquestras se apresentavam e de onde os familiares, que não haviam abdicado dos seus parentes contaminados, podiam vê-los divertir-se no Salão de Baile.

O local teve seu esplendor como contraste com a razão para a qual foi criado, sendo um local onde os internos podiam esquecer um pouco de seus destinos. Quando se descobriu a cura para a doença e as internações compulsórias foram encerradas, em São Paulo isto aconteceu no final da década de sessenta, o clube começou a entrar em decadência.

O clube que era administrado pela Caixa Beneficente, rica nos tempos da internação compulsória, perdeu sua força com o desinteresse dos patrocinadores e da sociedade que não precisavam mais confinar os hansenisianos. A partir de então o clube para se manter foi transformado em cinema aberto para a população do bairro que já na década de sessenta começava a se adensar. Mesmo abrindo suas portas o clube não conseguiu se manter ao longo dos tempos e deteriorava-se cada vez mais sem as devidas manutenções.

Vários fatos demonstram a  falta de cuidados e apoio com o local, entre estes se destacam o incêndio na cabine de projeção; os candelabros que desapareceram; a cessão do espaço do salão, outrora luxuoso, para oficina de molduras; abertura de uma oficina de sapatos onde antes era o salão de jogos; os porões serviram para abrigo de sem tetos; mesmo a prefeitura fez uso indevido do espaço, fazendo sob o palco uma fábrica de urnas funerárias.

Este estado de abandono perdurou até o início deste século quando o espaço, que pertencia ao Governo do Estado de São Paulo, teve sua administração cedida para  prefeitura de Guarulhos. Após este processo e com recursos da Petrobrás o edifício foi restaurado e entregue à população como Teatro Padre Bento, no ano de 2007.

O edifício foi tombado pelo CONDEPHAAT com resolução em 14/06/2011 e pelo Conselho Municipal de Patrimônio de Guarulhos.

SEGREGAÇÃO

A hanseníase, conhecida também como Lepra ou mal de Lázaro, doença conhecida destes os tempos mais remotos da civilização, até a descoberta da cura nos anos cinquenta do século passado, sempre teve o mesmo meio de se evitar o contágio: a segregação.

Sem tratamentos eficientes, a doença degenerativa, evolui lentamente, deformando os infectados até o fim, levando muito sofrimento físico e moral. O abandono por parte de familiares, temendo o contágio, era o primeiro sinal da nova vida que se apresentava. O confinamento era o golpe final em quem apenas esperava pela morte sem expectativas de cura.

O mal que era de alcance universal começou a ter momentos mais dramáticos no fim do século XIX, quando em uma conferência sobre lepra em Berlim[1] começou a se propor o isolamento dos portadores da doença. Este também foi proposto na Conferência Americana de 1922. Estes fatos levaram o governo brasileiro a tornar Lei a internação compulsória em 1923. Seguindo por esta via o Estado de São Paulo criou em 1931 a Inspetoria de Profilaxia da Lepra, órgão responsável pela prevenção da doença com o intuito de eliminar o mal no Estado, pois se acreditava que retirando os infectados de contatos sociais a doença tenderia a erradicação. A segregação dos hansenisianos em todas épocas da história humana sempre foi utilizada, mas o que chama  atenção é isto se oficializar em todos os paises no surgir da modernidade.

No Estado de São Paulo havia cinco locais de confinamento destinados aos portadores de hanseníase, os chamados Asilos Colônias. Além do Sanatório Padre Bento em Guarulhos havia os sanatórios de Santo Ângelo em Mogi das Cruzes, Pirapitingui em Itu, Cocais em Casa Branca e Aimorés em Bauru. Estes sanatórios eram divididos em três partes: área sã, área mista e área contaminada. Como norma infectados eram terminantemente proibidos de entrar nas áreas chamadas sadias.
Nestes locais de confinamentos, onde não havia esperança de sair, os internos, em muitos casos, perderam o contato com os familiares, que simplesmente os abandonavam. Devido a esta situação constituíam-se novas famílias dentro dos sanatórios, algo que não era apoiado pelos administradores dos hospitais das colônias.

            A situação tomava contornos mais dramáticos quando se separavam as crianças dos pais, tanto quanto os pais eram os doentes, ou quando eram as crianças as portadoras.

SANATÓRIO PADRE BENTO

            Os Asilos Colônias recebiam recursos das Caixas Beneficentes que por sua vez eram sustentadas por doadores privados e por grandes empresas. Pelas realizações nos complexos, como exemplo pode ser citada a construção do Clube Padre Bento, avalia-se que os recursos eram elevados.

            Estes sanatórios possuíam duas administrações: a do governo, que eram mais relativas ao hospital e ao tratamento dos doentes e a dos internos que regulava a sociedade interna, que no caso de Guarulhos chegou a ter cerca de 1500 pessoas (número referente somente aos internados); estes sanatórios tinham uma vida independente e agitada podendo ser comparadas a pequenas cidades. Havia três “autoridades” nos asilos, todos internos: o presidente da Caixa Beneficente, prefeito e delegado, todos com poderes semelhantes aos da sociedade externa.

            O Sanatório Padre Bento, considerado modelo, isto para época, tinha todas as comodidades para minimizar o estado de isolamento dos contaminados. Além do belo e imponente Clube e do hospital, havia creche, igreja, centro espírita, casas para os casados, dormitórios com alas para homens e mulheres, campo de futebol, piscina e até uma pérgula onde os namorados iam passear sob olhar atento dos guardas. Esta pérgula, que pode ser vista por quem passa pela avenida Emílio Ribas, atualmente está abandonada, deteriorando.

            A enorme área do complexo após o fim da internação compulsória foi desmembrada e dada outros usos para os espaços. Sobraram ainda, além do Teatro e a pérgula, o Complexo Hospital Padre Bento (que após ser adaptado passou a atender a população, sendo este o único hospital estadual da cidade), a igreja, o centro espírita, algumas casas que eram para os internos e o campo de futebol.
            Nos anos noventa o estado construiu um conjunto habitacional em parte do terreno e foram aberto ruas pela prefeitura.

ATUALMENTE

Em 2007, como parte das comemorações dos 447 anos da cidade, a Prefeitura de Guarulhos entregou o Teatro Padre Bento para a população. O Teatro entrava em uma nova fase com a reforma e voltava a ter vida, desta vez sem segregação ou deterioração. Assim prosseguiu levando peças teatrais, oficinas e os mais diversos eventos aos guarulhenses. Porém, esta fase teve curta duração, pois no dia 21/09/2010, uma forte tempestade caiu sobre Guarulhos atingindo em especial a região onde está localizada o Teatro. A tempestade atípica pela quantidade de granizo, causou muitos danos aos bairros da região do Gopoúva, destruindo muitos telhados, entre estes o do Teatro.

Desconsiderando os danos causados pela tempestade, a Secretaria de Cultura de Guarulhos, responsável pela administração direta do Teatro, não tomou as devidas providências para manutenção e reforma da cobertura, que teve como resultado infiltrações e com isto as consequências naturais decorrentes do fato. Mais uma vez o Teatro Padre Bento, o mais importante monumento histórico de Guarulhos, teve de ser fechado porque as tantas avarias tornaram o prédio praticamente sem condições de uso para a população, com pisos mofados e soltando-se do chão. A situação atingiu um ponto em que o assoalho do Salão de Baile teve de ser totalmente retirado.

Mesmo sem estar com plenas condições de uso há ensaios, oficinas e apresentações nas salas e palco do teatro.

Este é o momento atual do edifício que aguarda providências da Prefeitura quanto à reforma e retomada de rumo para este espaço de tanta cultura e tantas histórias.


Bibliografia

RUBIO, Arnaldo. Eu denuncio o Estado. São Paulo. Navegar. 2002
SCIELO: http://www.scielo.br/




[1] Fonte: http://www.scielo.br/

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